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As principais violações de direitos de crianças e adolescentes em Heliópolis¹ – São Paulo/Brasil.

Considerações Finais

Por meio deste trabalho, foi possível analisar o relato de profissionais que atendem às crianças e adolescentes da região de Heliópolis em relação às principais violações de direitos percebidas no cotidiano dos serviços. A vulnerabilidade social é o pano de fundo de todas as diferentes formas de violação relatadas pelos entrevistados. Evidencia-se, assim, a urgência de ações e estratégias políticas que visem a suprir as necessidades materiais e simbólicas das crianças e adolescentes que ali vivem, por meio da ampliação, integração e melhoria da rede de atendimento. A articulação, organização e interligação entre os profissionais e instituições mostram-se de extrema importância para a atuação eficaz do sistema de garantia de direitos, assim com a ampliação da oferta de políticas públicas em áreas com maior número de casos de violação de direitos.

Diante da suposta necessidade de encontrar os principais agentes violadores, corre-se o risco de individualizar o problema e, por consequência, produzir o juízo de criminalização da família pobre e isenção de responsabilidade do Estado, ou vice-versa (Nascimento; Lacaz; Travassos, 2010). Essa situação envolve a participação de múltiplos agentes, dentre os quais, comumente, a população é concebida como objeto de discurso sobre o direito e não como sujeito de direitos no âmbito prático. É importante ressaltar que a Psicologia muitas vezes se presta, por meio de seu discurso científico, a afirmar essa lógica, ilustrada pela ideia de “família desestruturada” (Sequeira, 2007). Essa ideologia, por sua vez, contribui com a manutenção do status quo por não questionar a construção dos lugares socialmente instituídos e por esconder os conflitos sociais intrinsecamente relacionados ao cumprimento, ou não, dos direitos constitucionais.

Uma das funções da pesquisa é o questionamento da realidade, pois, tal como ela é dada, favorece-se a hegemonia contra a emancipação de determinados grupos sociais (Chaui; Santos, 2013). Dessa forma, este trabalho propõe o questionamento da função dos serviços socioassistenciais, como as medidas socioeducativas, e suas implicações na discussão sobre a redução da maioridade penal. Considerando que as crianças e o adolescentes são objetos desses serviços e dessa discussão, esta pesquisa suscita o questionamento acerca da relação entre a violação de direitos e a incidência de infrações cometidas pelos adolescentes. Diminuir a maioridade penal coloca o Estado, a família e a sociedade na admissão de sua incompetência em assegurar a esses indivíduos os direitos básicos preconizados por nossa Constituição e pelo ECA e instrumentaliza, dessa forma, a marginalização e a criminalização da pobreza.

 

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Resumo

A vulnerabilidade social impede o pleno desenvolvimento das comunidades e de seus moradores, produzindo um cenário cercado de variadas formas de violação de diretos. A presente pesquisa teve o objetivo de evidenciar as principais violações de direitos que acometem a vida de crianças e adolescentes residentes no bairro de Heliópolis, cidade de São Paulo, Brasil. Foram realizadas entrevistas com representantes dos serviços locais, voltados à defesa e garantia do direito à saúde, liberdade, respeito e dignidade, conforme previstos no ECA. Identificaram-se violações relacionadas à falta de políticas públicas, evasão escolar, falhas na rede socioassistencial, dificuldade financeira familiar, gravidez precoce, saneamento básico inadequado, negligência, drogadição dos pais e adolescentes, abuso sexual, violência policial. Verificou-se que a complexidade do tema é atravessada por questões que dependem do Estado, da sociedade, da comunidade e da família e, por isso, afirma-se a necessidade de ampliação, integração e melhoria da rede de atendimento.

Palavras-chave: crianças; adolescentes; direitos humanos; vulnerabilidade social.

Data de recebimento – 02/10/2017

Data de aprovação15/01/2018

Adriana rodrigues domingues adriana.domingues@mackenzie.br

Graduada em Psicologia pela Unesp e doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, é docente no curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.

Adriana Fernandes Lellis Pereira adriana.lellis@outlook.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente, atua no Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), em Jacareí, e realiza oficinas de redução de danos nas cenas de uso de drogas em São Paulo, Brasil.

Ana Carolina de Oliveira anacaa.oliveira@gmail.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Psicologia Hospitalar e da Saúde pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil.

Cristina Gonçalves De Abrantes cristinadeabrantes@gmail.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.. Atua como psicoterapeuta e neuroeducadora, com pesquisas voltadas à clínica contemporânea e psicologia social.

Tiago Henrique Cardoso cardosotiagohenrique@gmail.com

Graduado em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.

Vanessa Alice De Moura vanessa.alice.moura@outlook.com

Graduada em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil..