Descrevendo a experiência
O caminhar da experiência – como tudo começou: de Irajá para o mundo
Em uma pequena localidade denominada de Irajá que, na língua indígena quer dizer “Favos de Mel”, a vontade de um grupo de jovens de se mobilizar era marcante no período que correspondia à década de 1980.
Irajá é um distrito do município de Hidrolândia, situado a 273 km de Fortaleza, geograficamente localizado na região Centro-Norte do Estado (IBGE, 2010). Em um número de trinta ou mais indivíduos, o grupo de jovens no sertão do Ceará afirmava grande vontade em dar sentido às suas vidas, em uma época rodeada de adversidades de ordem social, cultural e política, pela precariedade e limitações. Criar formas de estudar e aprender era necessário naquele contexto, pois deixar de sonhar não era a melhor alternativa.
De maneira tímida, em um pequeno espaço ocupado pelos jovens, reuniões aconteciam para planejar eventos escolares, como festas das mães, dia do estudante e gincanas. Outros espaços para além dos muros da escola, como a Igreja, também eram ocupados através da participação na festa do padroeiro, com os corais infantis e nas peças teatrais durante a Semana Santa, na Paixão de Cristo. Contudo, quando esses espaços tornavam-se insuficientes, isso não gerava dificuldade para a realização das ações de juventude daquele contexto: as ruas passavam a ser palco para as atividades juvenis do grupo (Torres, 2009).
O movimento popular entre os jovens, não mais se limitando às datas festivas apenas, cria, em 20 de abril de 1987, a Associação dos Jovens de Irajá – AJIR, trazendo a proposta de tematizar um movimento popular de crianças e jovens marcado pelo histórico das vidas dos seus sujeitos.
O espaço de Educação Popular AJIR foi construído com o desejo dos jovens do interior cearense de implantar uma biblioteca comunitária no distrito de Hidrolândia, nos anos de 1980. Logo, a juventude fez a ocupação permanente do espaço doado pela Prefeitura e fundou a Biblioteca Comunitária 21 de Abril, denominada assim por ser criada na mesma data em que realizam a reforma e organização do espaço que passa a ser a sede da Associação.
A criação de bibliotecas comunitárias é, portanto, um movimento colaborativo de partilha e convivência entre seres plurais, de rica competência cultural e humana para o combate à exclusão informacional. É possível verificar ainda que essas iniciativas visam a suprir a ausência dos poderes públicos e a ineficácia das bibliotecas públicas no Brasil, especialmente na região Nordeste, na maioria das vezes ainda distantes das periferias e das localidades mais carentes e afastadas dos centros urbanos. Uma das características do dinamismo desses espaços comunitários é a forte presença da ação popular em relação ao trabalho sociocultural desenvolvido por meio do teatro, dança, música, artes em geral, produzido por seus indivíduos cotidianamente (Cavalcante; Feitosa, 2011).
A motivação para a construção desse cenário de práticas pedagógicas de leitura, arte e criatividades, deu-se a partir do potencial imagético e representacional das crianças e jovens sertanejos, problematizando a forma como tais construções coletivas se dão em seu tempo e espaço de representações por meio de suas realidades, repletas de imagens narrativas. Tais imagens representam tipos humanos, costumes e lugares associados à vida cotidiana, tomando-os agentes que contribuem com a elaboração de discursos que circularam por diversos espaços, inclusive pelo próprio sertão, os quais auxiliam na constituição de um imaginário cada vez mais amplo sobre a leitura
Nesse ambiente, os irajaenses se reuniam para planejar e executar as atividades culturais. No entanto, como as políticas de incentivo à educação formal, ao trabalho e renda, à cultura e ao lazer inexistiam na época, parte dos jovens, influenciada pelos seus projetos de vida, migravam para os grandes centros urbanos, como Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. O movimento vai, então, perdendo forças, mas não perde a sua essência juvenil (Torres, 2009).
Assim, após os quase 15 anos em que os movimentos da AJIR ficaram sem atividades, rodas de conversa começaram a surgir em meio à nova juventude irajaense e, dessa vez, com a participação de alguns jovens que cursavam o Ensino Superior nas universidades do Estado. Nessas rodas, a ideia era retomar as atividades com uma festa de relembranças da época. O primeiro passo, nesse sentido, foi a reabertura da Biblioteca 21 de Abril, ponto de encontro dos jovens, a qual permanecera fechada de 1993 a 2008. A partir de muitas ideias, foi lançada a proposta de um evento cultural, denominado de AJIRtação (com atividades de danças, jogos e arte/saúde), além da elaboração de outros projetos.
O evento aconteceu em três anos subsequentes (2008, 2009, 2010) e, com eles, alguns recursos foram conquistados com o apoio financeiro de seus associados. Foi por meio da premiação do Projeto “Em Sintonia com a Saúde (S@S)”, através da Web-Rádio AJIR/UECE, em 2010 (Editais Cultura e Saúde, Ministério da Cultura e Ministério da Saúde e Prêmio Sérgio Arouca de Participação Popular – MS/SGPE) que recursos financeiros foram conquistados de forma suficiente para a reforma da Biblioteca 21 de Abril e sua reabertura. Este trabalho propiciou a parceria com a Universidade Estadual do Ceará – UECE, através da montagem de um canal digital denominado de Web-Rádio AJIR.
A tecnologia desse canal foi desenvolvida por um jovem estudante do curso do ensino médio, integrante da AJIR, e por um professor da UECE, membro fundador e presidente da AJIR, ambos membros do LAPRACS – Laboratório de Práticas Coletivas em Saúde/CCS/Pró-Reitoria de Extensão da UECE. O objetivo do canal era tornar-se uma metodologia de ensino por meio dos áudios via internet, com palestras, cursos, programas, seminários entre os jovens universitários e os jovens de Irajá, através das Tecnologias de Informação e Comunicação.
O canal digital de educação popular e saúde, hoje, ampliou-se, estabelecendo atividades de ensino, extensão e pesquisa com as escolas da rede pública, estabelecendo parcerias com outras Universidades e cursos de graduação de forma multidisciplinar, por meio da ligação entre várias cidades do Ceará, do Brasil e de outros países a partir do longo alcance que a internet possibilita nos territórios para além-fronteiras.
Para esse momento, focaremos no espaço da Associação dos Jovens do Irajá – AJIR, mais especificamente na Biblioteca 21 de Abril. Após alguns anos sem muitos empreendimentos, o movimento é retomado com força e garra por alguns membros da juventude da década de 1980/90 e novos integrantes da geração 2000, mais especificamente de 2014. De modo que a reativação da Biblioteca 21 de abril (com a reforma do prédio e melhoramento do acervo, entre outros), com a construção de uma agenda cultural, social e esportiva, está sendo tocada à frente como proposta de formação e ativismo cultural.
Além disso, foi através da doação do Baú da Leitura para o projeto de Leitura da AJIR “Clubinho de Leitura do Baú – CLB: Narradores do Sertão”, uma doação feita pela Companhia de Energia do Ceará – Coelce, que se iniciaram as “Histórias do Baú”. Esse projeto, implantado em 2014, tem como objetivo incentivar a leitura e a escrita, bem como a formação de novos leitores e escritores no distrito de Irajá – Hidrolândia/Ceará, utilizando o acervo bibliográfico e literário da Biblioteca 21 de abril.
Assim sendo, trabalhamos com a socialização e inclusão dessas crianças e jovens irajaenses por meio de uma leitura significativa, pois, dessa forma, estaremos contribuindo para a ampliação do acesso a outras manifestações culturais, possibilitando à juventude melhores perspectivas de vida no sertão do Ceará.
As atividades de extensão têm por significado ampliar possibilidades de ressignificação das práticas de leitura literária e promover o diálogo através da realidade das crianças e jovens do campo, mais conhecidas pela realidade local como crianças e juventudes do sertão nordestino em seus territórios, de forma singularizada aos cenários de vida desses sujeitos, uma comunidade carente de espaços culturais e de socialização.
A escolha desse local acontece por se considerar que esses sujeitos estão imersos em contextos culturais diversos que necessitam ser explorados. Portanto, esse espaço traz a liberdade de produzir arte e cultura, mediadas pelos cotidianos de suas experimentações e vivências em grupos, em território de produção de vida.