Radamés Ajna

Controle e medicalização da infância

De volta a um futuro sem futuro

Cabe destacar que, historicamente, é a partir de insatisfações e questionamentos que se constituem possibilidades de mudança nas formas de ordenação social e de superação de preconceitos e desigualdades. A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas, abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em “portadoras de distúrbios de comportamento e de aprendizagem”.
Aprendizagem e comportamento; exatamente os campos de maior diversidade e complexidade, constituintes da – e constituídos pela – subjetividade e singularidade; campos em que a avaliação é mais complexa e mais questionada.
Aprendizagem e comportamento; crianças e adolescentes. Estes são os alvos preferenciais dos processos que buscam padronizar, normatizar, homogeneizar, controlar a vida. Processos que patologizam a vida.
E nesses processos de medicalização, controle e judicialização da vida, um instrumento é fundamental: os laudos. Laudos médicos, psicológicos, fonoaudiológicos, pedagógicos etc etc.  Instrumento fundamental porque realiza a função de julgamento, condenação e sentença. Fundamental porque desvela o protagonismo dos profissionais, atuando de modo acrítico e quase em modo automático, em função de vários fatores, entre os quais devemos destacar a formação tecnicizada, regida pelo e para o mercado.
Vivemos em uma sociedade fundada em uma vida cada vez mais produtivista e consumista, cada vez mais constituída não por cidadãos, mas por consumidores, preferencialmente bioconsumidores, homogeneizados (Iriart e Iglesias-Rios, 2013).
Cabe, por fim, nos perguntarmos sobre que futuro estamos construindo, ou talvez, destruindo. Transformar em doenças mentais sonhos, utopias, devaneios, questionamentos, discordâncias; abortá-los com substâncias psicoativas pode resultar em impossibilidades de futuros diferentes. Podemos estar legando a nossos filhos e netos, como bem disse Victor Guerra[1], o genocídio do futuro.

¹ Psicanalista uruguaio, em conferencia em Buenos Aires, em 2011.


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Palavras-chave:  medicalização, infância, dificuldades do aprender, patologização.

Maria Aparecida Affonso Moysés

Professora Titular de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Aprendizagem, Desenvolvimento e Direitos, no CIPED (Centro de Investigações em Pediatria) da UNICAMP. Autora do livro “A institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola”. É membro fundador do Forum de Estudos sobre Medicalização de Crianças e Adolescentes, que tem articulado discussões, eventos e ações sobre a medicalização da vida e da educação.

Maria Aparecida Affonso Moysés
Cecília Azevedo Lima Collares

Livre-docente em Psicologia Educacional. Docente da Faculdade de Educação da UNICAMP, no Departamento de Psicologia Educacional, atualmente aposentada. Publicou inúmeros artigos em periódicos científicos nas áreas de Educação e Psicologia. É autora do livro “Preconceitos no Cotidiano Escolar. Ensino e Medicalização”. É membro fundador do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que tem articulado reflexões críticas e ações que buscam enfrentar e superar os processos medicalizantes da vida de crianças e adolescentes.

Cecília Azevedo Lima Collares