Foto: Khalid Albaih

Dinâmicas transnacionais em tempos de Internet: jovens, mobilização e apropriação do Facebook na Colômbia e no Brasil

No caso da Mane, seu modo de operação se estruturou com base na existência de grandes mesas universitárias locais, em um comitê operacional, em um corpo nacional de porta-vozes e nas comissões acadêmicas de direitos humanos e comunicações. No caso de Ocupa Sampa, as comissões eram mais numerosas e variáveis. No âmbito de nossa pesquisa identificamos as seguintes: de alimentação, de ação direta, jurídica, de infraestrutura, de lixo, de segurança, de recepção, de programação, de restauração, de movimentos sociais, de crianças no acampamento e de comunicação, tendo sido possível a existência de outras comissões, dada a sua emergência, muitas vezes pragmática (segundo circunstâncias e necessidades específicas) e transitória (cuja duração depende de necessidades específicas e mutantes​​). Sem entrar em detalhes sobre cada uma delas, cabe assinalar que a única comissão presente em ambos os casos em caráter permanente, foi a de comunicação. Como em outros movimentos contemporâneos a comunicação está no centro das atividades10, com interligação estreita entre a ação on-line e off-line.

Este modo de funcionamento, que tende a uma organização não hierárquica, mas horizontal, não está isento de conflitos e tensões internas, devido, entre outras causas, à coexistência de posicionamentos e orientações distintas dentro de cada movimento e à confluência e persistência de modelos clássicos, convencionais e até mesmo partidários, que se expressaram em diferentes momentos e diferentes graus em cada um dos movimentos estudados. Vejamos, através de trechos de entrevistas, alguns dos elementos relativos a questões que foram fonte de divergências, e que, além dos conflitos internos que podem estar mostrando, são especialmente indicadores de questões não resolvidas no centro da dinâmica destes e de outros movimentos contemporâneos, em relação à comunicação para contestar o poder e à contestação do poder da comunicação.

(…) pelos perfis do Twitter de diferentes porta-vozes e (Jaime)11 tem infinidade de seguidores, (Simon)12 tem milhares, esse menino tem por volta dos 30.000 seguidores no Twitter (…), bem impressionante é a manipulação que, especialmente eles dois, fizeram das suas contas no Twitter e no Facebook, (Simon) não passa um dia sem colocar pelo menos três Tweets e isso, digamos, em algum momento trouxe vantagens e em alguns aspectos trouxe sérias desvantagens. Porque o problema é quando você começa a Twittear para (questões partidárias) (…) e isso (…) de uma forma ou outra faz com que se tensione um pouco o ambiente, porque você sabe que você está falando para 30.000 ou 40.000 pessoas e, pois, não estão falando sobre o que é relativo ao grêmio (…). (Lina, uma jovem ativista da Mane).

É claro que as redes digitais dos movimentos devem expressar as ideias e reivindicações dos movimentos e não as que correspondem a posturas individuais ou partidárias. No entanto, aparece aqui a questão do uso de redes sociais digitais pessoais no contexto da ativa participação individual num movimento.

Estas ferramentas exigem uma gestão responsável, todas. É preciso que se faça uma gestão democrática delas, mas também que seja organizada. Parece ser bobagem, mas não se pode dar a senha do Facebook para cinquenta mil ou sessenta mil estudantes que estão envolvidos no Facebook da Mane (…). Aqui corresponde-nos combater através do Facebook e Twitter e no dia que esses meios forem fechados nos corresponderá também lutar através de folhetos e como já temos vindo a fazer até agora, por isso é que não temos substituído um meio pelo outro. É mais uma ferramenta, na minha opinião é subsidiária (…). O número de visitas do blog da Mane de novembro para dezembro, de outubro para novembro, foi uma coisa incrível, que bateu o recorde de votos na urna virtual Caracol Television13, fomos hashtag em trending topics por cerca de três ou quatro vezes. (Simon, um jovem ativista da Mane).

Uma vez que o critério de “não partidarismo” se aplica às redes do movimento, é legítimo usar redes pessoais para fins partidários? Mesmo que essas redes se tenham nutrido (e o número de seguidores incrementado) de um movimento não partidário? Ou, ao invés, essa utilização deve ser proibida, alargando assim o princípio não partidário ao âmbito da manipulação das contas pessoais de seus ativistas?

(…) quem era da comissão de comunicação eram aquelas mesmas 3 ou 4 pessoas que tinham o conhecimento e acesso às redes sociais, o que na realidade centralizou ainda mais o poder, porque se qualquer pessoa quisesse postar algo tinha que procurar essa meia dúzia de pessoas que tinha a senha do computador, da Internet etc… Ou seja, se você não conhecesse ninguém da comunicação você não postava nada. Nisso teve uma briga entre duas pessoas com visões divergentes de como deveria se dar a relação com a comunicação (Mauro, jovem ativista do Ocupa Sampa).

Se bem que a comissão de comunicação do Ocupa Sampa foi uma das que tiveram assembleias com uma grande plateia, abrindo as discussões e decisões tomadas para todos os que quiseram participar, desde o conteúdo das publicações até a identidade visual, duas constatações tornam-se evidentes: 1) o acesso às senhas das contas do movimento é restrito a algumas poucas pessoas (e que todos tivessem acesso a elas não parece ser uma solução) e 2) a necessidade de publicar conteúdos relativos ao movimento por parte de membros sem acesso direto às contas sempre pôde ser atendida.

Era tudo discutido em reunião. O layout das páginas era discutido, a identidade visual e tal. Várias pessoas faziam projeto e a gente votava. Na verdade, a gente não votava, a gente decidia por consenso, decidíamos o melhor ou os melhores (…). Quem tivesse uma pauta para colocar levantava a mão e tinha uma pessoa que ia colocando as pautas. Essa pessoa que anotava era voluntária na hora, ela se propunha e executava a tarefa (…). (Luciana, jovem ativista do Ocupa Sampa).

A busca de formas coletivas e horizontais de ação e as restrições na gestão das ferramentas digitais de comunicação do movimento definem dois fenômenos de uma mesma dinâmica, destacando a importância das inter-relações entre as modalidades coletivas, amplas e restringidas de discussão, decisão e ação.

No entanto, a análise do conteúdo publicado nas páginas do Facebook de ambos os movimentos permitiu ver, entre outras coisas, que as publicações feitas pelos administradores tendem a expressar o resultado do consenso e das lutas, reivindicações e chamados próprios do movimento, enquanto os comentários se tornam uma plataforma de opinião on-line que em alguns casos expressa controvérsias e divergências dentro do movimento.

Então, muitas vezes descobrimos que um post (ou publicação no mural do Facebook) com baixo número de curtidas e elevado número de comentários é expressão de um dissenso, enquanto um post com um elevado número de curtidas (função “curtir”) é expressão de apoio e simpatia com o movimento. Uma fonte de dissenso, nesse sentido, pode efetivamente tornar-se motivo de um aumento da atividade on-line visível também off-line, como é o caso da Mane, por ocasião da decisão de suspender a greve nacional da universidade, quando centenas de comentários no mural da página do Facebook criticaram a forma como esta decisão foi tomada. Mas também a dissidência pode ser expressa off-line sem que por isso seja visível on-line, como por exemplo, no caso de Ocupa Sampa, no âmbito das assembleias em que surgiram divergências sobre o funcionamento interno relacionado com o trabalho das comissões, sem que por isso se encontrem rastros destas diferenças nos comentários em páginas do Facebook. Isso permite chamar a atenção para outras questões, como a reconfiguração de visibilidade e invisibilidade do que acontece on-line e off-line, como parte das reconfigurações em curso, na era da Internet.

10 Ariadna Fernandez-Planells (2016) realiza uma pesquisa sobre cultura juvenil, ativismo social e comunicação digital que analisa, entre outras questões, a dinâmica do movimento dos Indignados em Barcelona, seu funcionamento por comissões, incluída a comissão de comunicação, a partir de uma abordagem centrada na audiência ou recepção.

11 Os nomes foram mudados a fim de preservar a identidade dos/das jovens que participaram das entrevistas. Nesse caso, só esclareceremos que se trata de um dos porta-vozes da Mane que também foi entrevistado no âmbito desta pesquisa.

12 Outro dos porta-vozes da Mane que também foi entrevistado.

13 Uma das estações de televisão mais assistidas na Colômbia.

Liliana Galindo Ramírez lilianagalindoramirez@gmail.com

Doutoranda em Ciência Política, Universidade de Grenoble; Doutoranda Visitante no Centro de Pesquisa Política de Sciences Po Paris; Pesquisadora do Observatório de Juventude, socióloga e Mestre em Sociologia Cultural na Universidad Nacional de Colombia. Ciudadan@s por la Paz de Colombia (Paris, Bogotá, Rio de Janeiro). Colaboradora do projeto transnacional Generación Indignada – Genind.