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“É o preço de um almoço”: sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes no sertão do Pajeú pernambucano – Brasil”

Considerações

No Sertão do Pajeú, a ESCCA ainda é tema pouco explorado pela academia científica e políticas públicas. As redes de exploração sexual parecem consolidadas no interior pernambucano, vitimando milhares de crianças e adolescentes inseridos no mercado sexual, devido, especialmente, a questões inerentes à vulnerabilidade socioeconômica das famílias. Os caminhoneiros têm se destacado como importantes atores, frequentes consumidores dos serviços sexuais oferecidos nas estradas e rodovias que cortam o Brasil. Apesar de majoritariamente conceberem a infância como período de desenvolvimento, contraditoriamente, afirmam acreditar que as crianças e adolescentes vitimadas gostam ou sentem prazer durante as interações sexuais com adultos. Para muitos, a situação socioeconômica das famílias é a principal justificativa para suas inserções no mercado do sexo.

Por sua vez, entre os caminhoneiros, em sua maioria homens adultos que viajam sozinhos, o argumento das necessidades fisiológicas, a grande oferta de serviços sexuais nas estradas e os baixos valores cobrados figuram entre os argumentos discursivos recorrentes. Os dados evidenciam que, de modo geral, a recusa e reprovação à prática da ESCCA entre os caminhoneiros estão muito mais associadas ao medo da polícia, às possíveis implicações legais e aos riscos de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis do que ao adequado e necessário processo de educação e conscientização acerca dos direitos das crianças e adolescentes.

Acreditamos que a relevância deste estudo está fundada na importância de refletir sobre como os caminhoneiros compreendem o fenômeno da ESCCA, favorecendo análises futuras sobre o fato de os mesmos se reconhecerem ou não como participantes ativos da violência sexual contra crianças e adolescentes. Destacamos a urgência na implementação de programas de educação dirigidos aos caminhoneiros da região, em direta articulação com os órgãos governamentais e sociedade civil, como forma de garantir os direitos das crianças e adolescentes no Sertão pernambucano.

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RESUMO

 

Este artigo busca compreender os fatores envolvidos no fenômeno da exploração sexual de crianças e adolescentes – ESCCA – a partir da percepção de caminhoneiros que cruzam as estradas e rodovias do Sertão do Pajeú, em Pernambuco. O grupo de amostragem foi composto por 21 caminhoneiros que utilizam os postos de gasolina instalados próximos à BR 232, no município de Serra Talhada, como ponto de apoio e local de pernoite. A desigualdade social, a cultura adultocêntrica e as relações de gênero figuram como importantes fatores que parecem contribuir para o processo de naturalização do fenômeno entre os sujeitos investigados. Apesar de conceberem criança e adolescente como sujeitos em desenvolvimento, entre muitos caminhoneiros, a recusa ou reprovação à prática da ESCCA está mais associada ao medo das implicações legais do que ao necessário e adequado processo de esclarecimento e conscientização sobre os direitos das crianças e adolescentes.

 

Palavras-Chaves: ESCCA, Caminhoneiros, Criança e Adolescente.

 

Data de recebimento – 31/07/2017

Data de aprovação – 04/01/2018

Marjorie Thaynnan Pereira da Silva marjorie.taai@gmail.com

Bacharel em Administração de Empresas pela Faculdade de Integração do Sertão (FIS), Serra Talhada – Pernambuco, Brasil.

Epitácio Nunes de Souza Neto ensouzaneto@gmail.com

Doutorando em Psicologia pela Universidad del Salvador (USAL), Buenos Aires – Argentina. Doutorando em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Brasil. Professor na Faculdade de Integração do Sertão (FIS), Serra Talhada – Pernambuco, Brasil.

Normando José Queiroz Viana normando.viana@unifesspa.edu.br

Doutor em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Brasil. Professor Adjunto de Psicologia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Brasil.