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Infância rural e trabalho infantil: concepções em contexto de mudanças

Considerações finais

A categoria trabalho infantil foi introduzida por orientações legais e enquadramentos de políticas públicas, sendo, portanto, externa aos agricultores pesquisados. Fundamentadas em princípios de gerações passadas, as famílias de agricultores defendem a prerrogativa de educadores dos filhos, valendo-se da “ajuda” para socializar e transmitir saberes e valores morais às crianças. Contudo, reconhecem a importância da educação escolar, não somente em decorrência da imposição de leis e políticas públicas, mas por ser o meio privilegiado, senão único, de requalificar os filhos para ocupações laborais fora da agricultura.

No bojo dessas diferenciadas concepções, a família foi perdendo centralidade na socialização das crianças pelo trabalho, enquanto que o poder público, por meio de seus aparatos legais, políticas de prevenção do trabalho infantil e instituição escolar, adquiriu maior importância na orientação da educação das crianças rurais. O confronto de concepções de infância e de trabalho, expressos em instrumentos e instituições formais e nas formas de socialização praticadas pelas famílias de agricultores, transformam as maneiras de ser criança rural e de viver a infância no meio rural de Itapuranga.

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Resumo

 

Este artigo analisa concepções de infância e de trabalho da criança expressas na legislação vigente no Brasil e na visão de pais de crianças que vivem em unidades de produção familiar. A pesquisa combinou levantamento documental, especialmente relacionado às leis de proteção da infância, e entrevistas dirigidas para dezesseis agricultores familiares de Itapuranga – Goiás, Brasil, com filhos de idade entre 6 e 14 anos. As leis de proteção à infância passaram a categorizar como trabalho infantil certas atividades executadas por crianças em unidades de produção familiar, por considerá-las prejudiciais à saúde. A intervenção do poder público, por meio de leis e políticas públicas, desencadeia mudanças nas formas de socialização e de transmissão dos saberes-fazeres às crianças, reduzindo a importância educativa dos pais.

 

 

Palavras-chave: infância, trabalho infantil, agricultura familiar.

Data de recebimento: 28/02/2018

Data de aceite: 06/05/2018

Joel Orlando Bevilaqua Marin bevilaquamarin@gmail.com

Doutor em Sociologia; Pós-doutor pela École des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS), Paris – França; Professor Titular da Universidade Federal de Santa Maria e do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil.