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Juventude em espaços marginais: uma aproximação metodológica

O gênero e o lugar da pesquisadora no processo de pesquisa

Dentro desse caminho de pesquisa, e através das entrevistas e da observação dos participantes, surgiu a categoria de gênero e violência de gênero. Há uma diferenciação entre homens e mulheres dentro das relações sociais geradas na rua. É mais difícil para as mulheres integrar essas formas de vida quando a sexualidade está mediando dentro da lógica imposta pela rua. Em algumas das histórias, o corpo da mulher é usado para práticas sexuais sem a sua aceitação, o que elas referiram como: “Eu fui estuprada”. Outras formas de utilização dos corpos enquanto aprendem a se defender é a de relações sexuais em troca de proteção. Algumas de suas histórias retratam como seus corpos são território de dominação, e normalmente se deslocam na rua tendo um parceiro (embora isso não seja o caso, normalmente). No caso de Glória, seu trabalho antes de iniciar um relacionamento com Fabián era a prostituição. Ela diz que ele a proibiu de continuar com essa atividade e, quando ela estabeleceu a relação, deixou de usar seu corpo como meio de subsistência. O sexo, assim como o gênero como pesquisadora, são elementos importantes a serem considerados, levando em conta o lugar da mulher que vive na rua.

[…] “o conhecimento de gênero filtra o conhecimento”; ou seja, o sexo do entrevistador e o sexo do entrevistado fazem a diferença, pois a entrevista é realizada dentro dos limites culturais de um sistema social patriarcal que separa as identidades masculina e feminina (Denzin; Lincoln, 2015, p. 167).

A presença do meu colega de pesquisa foi imediatamente interpretada como “meu parceiro”, bem como a presença de outras duas pessoas que me acompanharam em alguns mergulhos no campo foram recuperadas em comentários sobre os diferentes parceiros sentimentais que eu costumava ter; até mesmo Gloria me disse quem ela achava que seria um parceiro melhor (referindo-se aos meus colegas), isso os impediu de pensar que eu era viável como parceira sentimental. Ser mulher possibilitou que eu me aproximasse de Glória, já que seu parceiro Fabián a proibiu de ter contato com qualquer homem, fosse ele do grupo ou não. Nesse sentido, tanto o sexo quanto o gênero são condições que têm intervindo na minha abordagem com as/os jovens. A reflexão foi relevante para analisar tudo o que me aconteceu.

Conclusão

Os meios que o cientista social tem para abordar essas realidades dão lugar a várias reflexões. Nessas abordagens há eventos que estão além do controle do próprio processo de pesquisa. É a esfera da contingência, da surpresa e até do questionamento ético que está surgindo; bem como das decisões sobre a intervenção que o pesquisador deve/pode ter no campo da pesquisa que surgem diante dos eventos que surgem no campo.

Gostaria de ressaltar que existe um ambiente de reflexão que deve questionar constantemente o pesquisador em tal processo. Como podemos saber o que não se sabe, se não é com uma posição de abertura? Nesse sentido, ao entrar nessas novas lógicas de sentido, o pesquisador é questionado em suas próprias referências, não só científicas, mas também de bom senso: as normas, tradições, valores e o dever ser.

Os conhecimentos pré-estabelecidos constroem sujeitos sociais e as formas de abordagem dos mesmos serão dadas em função dessas construções sociais. Portanto, os preconceitos são formas de interpretar a realidade social. Assim, para o caso dos jovens de rua, a identidade estigmatizada, teorizada por Goffman (2006), é um elemento para evitar o contato social. Nesse sentido, revela-se relevante a reflexão sobre tais preconceitos existentes no momento de intervir.

Finalmente, o construído na interação social tem sido determinante para conseguir uma aproximação aos sentidos da realidade. O coletivo foi uma fonte de informação por si só, através das diversas práticas e discursos construídos no trabalho diário dentro do grupo.

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Resumo

Este artigo reflete sobre algumas dobras da experiência da pesquisa social. A partir de uma abordagem etnográfica, procura problematizar o lugar do pesquisador/a no próprio processo de produção do conhecimento em contato com jovens que vivem em condições marginalizadas. São retomadas contribuições teóricas sobre o envolvimento do ponto de vista psicossocial, reflexividade no trabalho etnográfico, assim como contribuições da filosofia. Isto permite a discussão sobre a construção do conhecimento e das realidades sociais através da relação com este tema jovem, o que abre o caminho para fenômenos sociais inseridos. Tal condição me permitiu acompanhar a reflexão sobre não apenas minha posição como pesquisadora e a relação com meu sujeito de pesquisa, mas também a rede de elementos que estão prontos no momento de fazer tal intervenção-pesquisa.

Palavras-chave: envolvimento, marginalidade, juventude, coletivo.

Data de recebimento: 15/02/2020
Data de aprovação: 28/06/2020

Abstract

Youth in marginal spaces: A methodological approach

This article reflects on some folds of the social research experience. From an ethnographic approach, it seeks to problematize the place of the researcher in the very process of knowledge production in contact with young people who live in marginalized conditions. Theoretical contributions on involvement from the psychosocial perspective, reflexivity in ethnographic work, as well as contributions from philosophy are taken up again. This allows the discussion on the construction of knowledge and social realities through the relationship with this young subject, which opens the way to inserted social phenomena. Such condition allowed me to follow the reflection about not only my position as a researcher and the relationship with my research subject, but also the network of elements that are ready at the moment of making such intervention-research.

Keywords: involvement, marginality, youth, collective.

Annaliesse Hurtado Guzmán annahurg@gmail.com

Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidad Autónoma Metropolitana, Xochimilco, Ciudad de México, México. Mestre em Psicologia Social de Grupos e Instituições pela mesma Universidade. Trabalha com questões relacionadas a jovens em status marginal em espaços públicos, migração interna de jovens e trabalho informal em espaços públicos.