Resultados
Durante a realização do estudo, foram ouvidos 20 profissionais da saúde de diversas territorialidades do município supracitado, responsáveis por fornecer informações acerca das atividades do PSE realizadas no contexto escolar, no que concerne à questão da droga e da drogadição. As unidades foram nomeadas por algarismos arábicos (ver Tabela 1: Descrição dos serviços por territorialidade e profissionais ouvidos) a fim de preservar as identidades dos profissionais entrevistados, bem como as informações referentes aos territórios presentes nas narrativas. Dentre os técnicos de referência que atuam junto ao PSE nas unidades de saúde, foram ouvidos, em sua maioria, profissionais das áreas de enfermagem (enfermeiros e estagiários) e odontologia (dentistas e auxiliares em saúde bucal).
Tabela 1: Descrição dos serviços por territorialidade e profissionais ouvidos
Em se tratando da gestão do Programa de Saúde na Escola (PSE) nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégias de Saúde da Família (ESF), os profissionais entrevistados apontam que a articulação entre saúde e educação ocorre de modo singular para cada unidade. Para tanto, elencar um profissional como responsável dessas atividades ocorre a partir da organização individual de cada serviço. As unidades apontam que a gestão do PSE pode se dar de modo individual ou compartilhado. Por exemplo, quatro serviços trazem que dois ou mais profissionais de áreas distintas compõem a gestão do PSE; três unidades referem os profissionais da enfermagem enquanto responsáveis e três, apontam, em suas falas, que o PSE é composto por profissionais da odontologia (dentistas e auxiliares de saúde bucal). Em contrapartida, outras três não referem um profissional como responsável pelo PSE.
Quanto à execução das atividades, profissionais de oito pontos da Atenção Básica trazem que o serviço realizou uma ou mais atividades dispostas pelo PSE junto aos escolares; porém, quanto à temática da droga e drogadição, as atividades eram realizadas apenas mediante solicitação. A justificativa da não realização de atividades sobre o tema foi apontada pelos profissionais escutados como decorrente da baixa demanda por parte da comunidade escolar. Dos profissionais ouvidos, quatro unidades referiram que não foram realizadas atividades voltadas à questão da droga e da drogadição, evidenciando pouca ou nenhuma articulação entre saúde e educação naqueles territórios.
Ainda, em alguns casos, foi relatado que, na ocorrência de solicitações da escola, a unidade apresentou dificuldades na efetivação das ações. Como justificativa para a ausência de atividades voltadas à temática, os profissionais citaram questões variadas, exemplificadas nos recortes a seguir, por exemplo, a grande demanda territorial como um agravante:
Então, assim, a nossa demanda é grande e os profissionais não têm perna pra tanto, né? Tanto que nem a [pausa na fala] eu vou me responsabilizar pelo PSE e o resto tudo, né? A gente vai fazendo um pouquinho de cada coisa, mas tu sabe que tu não faz tudo que precisa também, né? Então, a demanda vai crescendo e os profissionais que estão na rede são os mesmos, então a gente não tem perna pra tanto (Unidade 3).
Alguns profissionais referiram dificuldades na articulação com a comunidade escolar, evidenciando um contato esporádico e limitado: “é que nem eu te disse, [a escola] assim, é bem resistente, né? Ao PSE… não quer aderir, mas assim é a parte só odontológica que eles aceitam assim” (Unidade 8). A articulação das redes saúde e educação, através de reuniões periódicas de discussão de casos de famílias específicas daquele território, pode também ser configurada como uma forma de contato parcial. Para os profissionais, havendo a participação na reunião e pensadas soluções para a família discutida, a demanda da unidade consequentemente aumenta, o que pode impossibilitá-las, mais uma vez, de realizar ações de promoção de saúde no ambiente escolar:
A gente tem as reuniões de rede, que a gente faz uma vez por mês, envolve todos, né? Envolve a escola, envolve nós, a saúde, educação, assistência social, todo mundo se envolve. E as vezes têm casos, assim. A gente discute casos de determinada família, né? Então a demanda sempre aumenta, sempre, sempre, sempre (Unidade 3).
Em contrapartida, alguns profissionais destacam a importância das reuniões de rede para articular as questões referentes ao Programa de Saúde na Escola (PSE), e assim pensar nas ações que a unidade pode desenvolver, como no exemplo:
Nas reuniões da escola, foi conversado o que a gente vai tratar no PSE. A gente todo ano é droga, sexualidade, é basicamente os mesmos temas assim, que a gente aborda. […] nas escolas a gente tem um trabalho também, com a coordenação das escolas…e falam, fulano está com problema e tal, e todos os meios possíveis que a gente tem pra chegar até eles, a gente usa (Unidade 10).
Noutros casos, os profissionais referem que outros pontos de atenção da rede de cuidado realizam atividades sobre a temática. Portanto, as ações realizadas no ambiente escolar pela unidade não ocorrem, necessariamente, abarcando a questão da droga e da drogadição:
Não, não teve nenhuma ação ainda. Mas como o município só oferece esse serviço através do NASF [Núcleo de Apoio à Saúde da Família] e CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] e a gente tem três NASFs pra quase cinco unidades de saúde, então fica bem difícil, por mais que eles se coloquem a disposição pra nos ajudar, fica bem restrito pra se conseguir esse profissional [de psicologia] pra fazer ações, atividades, digamos, longitudinais na escola (Unidade 1).
Ainda, predominou significativamente nas falas dos profissionais entrevistados pouca ou nenhuma articulação com a escola quanto à referida temática. Através dos excertos abaixo, é possível visualizar a falta de diálogo entre as instituições:
Nós começamos as atividades no PSE em agosto. Não sei se tinha alguma coisa antes disso. […] Tinha mas era pouca coisa (Unidade 1).
No mais específico [de atividades nas escolas] com o pessoal do PET [Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde], agora acabou o PET, né? O nosso aqui acabou, então fica mais com o PSE. O ano passado foi trabalhado com a turma de enfermagem que […] trabalhou alguma coisa de drogas […] (Unidade 3). A escola geralmente já encaminha direto, porque eles têm contato via CAPSAD [Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas] (Unidade 11).
Consoante a isso, os profissionais ainda apontam que, embora distante, a escola solicita às unidades a realização de atividades referentes a temas específicos, considerados emergentes naqueles territórios. Dessa forma, os serviços se aproximam do ambiente escolar com temáticas diversificadas, não abarcando diretamente a questão da droga e da drogadição:
Esse tema, eles ainda não pediram, ali foi com a dengue e sobre a higiene. Interessante que eles não pediram, acho que não fizeram (Unidade 11). […] independente do cronograma que a gente tem do PSE, nós trabalhamos muito a parte de higiene […], a gente trabalha muito boas maneiras, né? Autoestima por causa dos casos de depressão que tem no interior (Unidade 5). Na verdade, o PSE, ele tem como um dos temas pra trabalhar a drogadição, né? Só que daí a gente vai e pede para a escola, o que eles […] acham que precisam trabalhar mais no momento, né? […] agora a sexualidade também é um que entra dentro do PSE, então foi o que eles optaram agora no final do ano (Unidade 12).
Por meio das narrativas dos profissionais da saúde, foi perceptível a existência de um distanciamento institucional entre saúde e educação, uma vez que a unidade se encontra imersa em dificuldades provenientes do seu cotidiano no território. Esse distanciamento tensiona a reflexão sobre uma possível fragilidade do trabalho multidisciplinar em redes.
A seguir, serão levantados alguns pontos de discussão a respeito do distanciamento dos serviços, como a questão da rotatividade de pessoal e a fragilidade do trabalho em rede. Tomadas essas questões como norteadoras, pode-se observar seus reflexos na fragmentação das ações em saúde voltadas aos adolescentes escolares.