Léo Lopes

Uso de crack entre jovens: histórias para reconstruir os percursos de cuidado e cidadania

O uso de drogas nos convoca a olhar para o jovem

Diante dessas considerações sobre drogas e os diferentes aspectos envolvidos, torna-se imprescindível que os profissionais que trabalham direta ou indiretamente com jovens problematizem a temática, refletindo sobre os aspectos da contemporaneidade. Dessa forma, ampliarão a capacidade de transformação, valorizando a diversidade dos caminhos que podem levar à construção de valores como cidadania, ética, alteridade e relação. Isto significa realizar um esforço para abandonar o discurso hegemônico e as práticas excludentes, que desacreditam nos sujeitos, na medida em que enlaçam um caráter biologicista e moralista aos sentimentos e manifestações, tomando a todos como problemáticos e marginais.
A prática de atividades, elaboradas junto com os jovens no contexto escolar e social, é uma importante ferramenta de ação em promoção de saúde. Por exemplo, a construção de projetos artísticos (música, dança, desenho, pintura), espaços de discussão e diálogo sobre temas diversos valoriza o saber desenvolvido por eles e, com isso, ajuda-os a construir autonomia e formas de enfrentamento dos problemas da vida, ou seja, sentimentos, ideias, valores que possam lhes auxiliar na vivência de situações difíceis no contexto familiar ou na comunidade. Estas sugestões são ferramentas de intervenção com objetivo de pensar a integralidade do sujeito e não apenas o problema do uso de drogas.
Nesta perspectiva, este grupo de pesquisa vem articulando ações, tais como o “Fórum de Discussão sobre Drogas na Contemporaneidade: Caminhos de Prevenção”, que objetiva a apresentação dos dados da pesquisa aos mais diversos setores da sociedade e a constituição de um espaço de diálogo, visando à prevenção ao uso de drogas e promoção da saúde. É dirigido aos estudantes (crianças e adolescentes) da rede de ensino municipal e estadual da região, bem como aos pais, professores e profissionais da saúde, assistência social, direito, entre outras.
Vale relembrar que nenhuma ação é neutra em si mesma, que a imparcialidade é uma condição ilusória. Logo, não podemos abrir mão do caráter político de nossas ações. Na medida em que sustentamos uma posição ética, em defesa da singularidade e da alteridade do sujeito, neste mesmo instante estamos, inevitavelmente, no campo político, costurado por diversas lógicas de poder e saber, que por vezes facilitam e noutras dificultam possibilidades e desejos de avançar.
Cabe a nós, pais, profissionais, jovens, sonhadores, e muitos outros que somos, em esforço conjunto, escolhermos a posição – que é sobretudo uma posição ética – a partir da qual compreendemos o sujeito e sua existência. Este lugar exige que pensemos para além da droga, desnaturalizando ideologias que se proliferam por variados discursos e, assim, abrindo uma possibilidade de narrativa singular para a história de sujeitos como João, que nos convoca a escutar e compreender usuários de drogas como cidadãos que têm suas vidas atravessadas por uma lógica social, histórica, política, e não apenas pela droga.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Resumo

A realidade do crack no Brasil é notoriamente um fenômeno que abarca uma complexidade de fatores e se configura como uma importante demanda de saúde pública. Com base na pesquisa “A Realidade do Crack em Santa Cruz do Sul”, propomos neste texto uma reflexão acerca dos desafios e enfrentamentos necessários para a percepção daquilo que se mantém, sub-repticiamente, nos discursos aterrorizantes sobre o crack, a fim de promover uma discussão que possibilite um novo olhar para o sujeito usuário, valorizando práticas intersetorializadas de saúde.

Palavras-chave: crack, jovem, saúde pública, políticas públicas.

Data recebimento: 20/08/2014
Data da aceitação: 17/10/2014

Edna Linhares Garcia edna@unisc.br

Psicóloga, Doutora, Docente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Promoção de Saúde e do Departamento de Psicologia, da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/ Brasil), Coordenadora da Pesquisa “A realidade do crack em Santa Cruz do Sul”.

Alíssia Gressler Dornelles

Psicóloga, Especializanda em Clínica Psicanalítica (Universidade Luterana do Brasil, Santa Maria, ULBRA-SM).

Mauriceia Eloisa Moraes

Acadêmica de Psicologia (Universidade de Santa Cruz do Sul, UNISC, Brasil).

Bruna Rocha de Araújo

Acadêmica de Psicologia (Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Brasil). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS).

Emanueli Paludo

Psicóloga, Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Brasil).

Giórgia Reis Saldanha

Acadêmica de Psicologia (Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, Brasil). Bolsista do Programa UNISC de Iniciação Científica (PUIC).