Entrevista de Cristiana Carneiro e Patrícia Corsino com Lucia Rabello de Castro, realizada no dia 16/07/2021, no Festival do Conhecimento UFRJ 2021.
Lucia Rabello de Castro
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Rio de Janeiro, Brasil
ORCID iD: http://orcid.org/0000-0003-1238-4497
Cristiana Carneiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Rio de Janeiro, Brasil
ORCID iD: http://orcid.org/0000-0002-4042-1155
Patrícia Corsino
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação, Rio de Janeiro, Brasil
ORCID iD: https://orcid.org/0000-0003-4623-5318
DOI: https://doi.org/10.54948/desidades.v0i31.49615
Cristiana Carneiro – Bom dia a todos e a todas. Estamos aqui para uma entrevista com Lucia Rabello de Castro, professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGP). Ela foi uma das fundadoras do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC) e, atualmente, está à frente de uma nova proposta, sobre a qual vamos falar, o Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Infância, Adolescência e Juventude (NIAJ). A professora Lucia tem uma vasta produção de livros e artigos, faz parte de comitês internacionais, como o Comitê de Sociologia da Infância da Associação Internacional de Sociologia (ISA), do qual atualmente é presidente eleita (2018 a 2022) e é importante dizer que é uma grande formadora de psicólogos, educadores e pessoas da área social.
Eu sou Cristiana Carneiro, professora associada da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP) da UFRJ. A professora Patrícia Corsino, também professora associada da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFRJ, estará comigo conduzindo esta entrevista.
Lucia, é um prazer estar aqui falando com você e tentando conhecer um pouco mais dessa aposta que você sempre faz na infância e juventude. Como coordenadora atual do NIPIAC (criado em 1998), do qual você foi uma das fundadoras junto com outros/as professores/as, eu gostaria de saber um pouco mais sobre como foi e o que a motivou a criar o NIPIAC.
Lucia Rabello de Castro – Bom dia, Cristiana, Patrícia e a todos/as que estão aqui. É uma oportunidade valiosa para a gente difundir a criação desse espaço que é o Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Infância, Adolescência e Juventude (NIAJ). Eu me fixei na convocação desse Festival de Conhecimento intitulada “Futuros Possíveis”, e isso vem muito a calhar: falar sobre futuros possíveis e pensar em infância, adolescência e juventude. Nesse sentido, eu começo a responder essa questão que você coloca, Cristiana. Lá em 1998, quando Jane Correa, professora do Instituto de Psicologia da UFRJ, Marta Rezende, também professora do Instituto de Psicologia, e eu fundamos o NIPIAC, talvez a gente não tivesse ainda a clarividência, que é permitida por uma certa distância histórica, e que hoje a gente tem, do que significava fundar um núcleo de infância, juventude e adolescência naquele momento. Aquele era um momento de movimento internacional e nacional em torno das questões da infância e da juventude. Basta dizer que o final da década de 80 trouxe a Convenção Internacional de Direitos das Crianças e o início da década de 90 trouxe o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Isso teve um impacto avassalador no sentido de reestruturar as visões societárias a respeito da infância, adolescência e juventude. É claro que isso foi a culminância de um processo, o próprio Norberto Bobbio1 fala que o século XX foi um século dos direitos, que, em seu final, culminou com os direitos das crianças. Mas foi um longo caminho que os países percorreram, e que também chegou aqui, nos países periféricos. Houve um movimento intenso em torno da Constituição Cidadã para se pensar a questão da infância e da juventude e seus direitos. Por isso que eu digo que foi um momento de movimento, movimento de se transformar alguma coisa na sociedade. É claro que até hoje o lugar das crianças, como sujeito de direitos, ainda não está bem equacionado e bem posicionado, pois ainda se tem um longo caminho a se cumprir em termos de reivindicações, posições e de direitos. Naquele momento, em 1998, nós, que estávamos trabalhando já há algumas décadas em torno da questão da infância e da juventude, achávamos que ali no Instituto de Psicologia tínhamos que fazer um movimento também para chamar a atenção para essa questão. Jane Correa trabalhava mais com as questões de aprendizagem, escrita; Marta Rezende, com as questões da adolescência, da violência e com a Psicanálise; e eu, mais com as questões da infância e juventude e as transformações do contemporâneo. Então foi uma convergência muito boa e muito instigante. A gente deu início a uma série de iniciativas, de ações, até de ações de extensão, chamando a atenção para essas questões da infância, da juventude e da adolescência.
Cristiana Carneiro – Então, a partir desse momento fundador, que, como você diz, captou, de certa forma, aquele movimento que estava se dando, como você descreve a trajetória posterior desses 20 anos? Percurso tanto em termos de modificações que vocês foram vivendo nesse Núcleo e o que foi conquistado nessa longa trajetória.
Lucia Rabello de Castro – Quero reforçar que o NIPIAC e hoje o NIAJ são movimentos coletivos que se instauram dentro da universidade em momentos renovadores. Nós três éramos um pequeno grupo, ao qual logo outras pessoas foram se juntando, inclusive estudantes de pós-graduação que estávamos orientando, alunos/as de graduação e outros/as colegas. Então, começou realmente a se consolidar um núcleo que teve uma atuação bastante incisiva. A gente fundou o Núcleo em 1998, no Instituto de Psicologia, mas, em 2002, nós deslanchamos um projeto de extensão que foi um projeto de envergadura, porque foi em um momento em que a Benedita da Silva, que era a vice do governador Anthony Garotinho, que tinha se desincompatibilizado para se relançar como candidato ao governo do Estado do Rio de Janeiro, e ela, então, resolveu deslanchar esse projeto com os jovens.
Cristiana Carneiro – O Jovem Total, não é?
Lucia Rabello de Castro – O Projeto Jovem Total foi a parte que a gente desenvolveu. Ela fez um projeto mais amplo de preparação profissional, cursos semiprofissionalizantes para jovens das periferias. Nós entramos, a convite da Secretaria de Desenvolvimento Social, e atuamos em 25 comunidades periféricas da Zona Oeste e Zona Norte do Rio de Janeiro. Só para dizer a envergadura do projeto, a gente teve 125 estagiários no campo. Foi um desafio enorme e a nossa parte foi muito mais no sentido de olhar como os jovens recebiam esses projetos do governo, o que eles tinham a dizer. Então, nesse grande projeto da Benedita, a parte que nós desenvolvemos possibilitou um lugar para a voz deles: “a gente acha bom” ou “a gente não acha” ou “o governo vem aqui de vez em quando, traz algumas novidades, mas depois a gente fica sem acesso às coisas que são importantes na nossa vida” são algumas falas recolhidas por nós. Esse projeto foi muito bacana, uma oportunidade ímpar até para os alunos poderem ir às comunidades. A gente fez um treinamento anterior intenso. Teve uma equipe enorme de técnicos, psicólogos formados. Isso foi em 2002. Em 2004, o NIPIAC já era bem maior nessa época, fundamos o JUBRA, que foi o primeiro Congresso Nacional e Internacional sobre a Juventude Brasileira. O JUBRA, hoje, já está na 10ª edição e deu origem ao estabelecimento e à consolidação de uma associação científica de pesquisadores e pesquisadoras da juventude, a REDEJUBRA. Isso foi obra do NIPIAC, que nasceu com muita força, muita força política, muito desejo de realmente firmar essa área de infância, adolescência e juventude na universidade.
Só para dar ideia de algumas outras realizações, além de outros eventos e parcerias, a gente fez parceria com a COPPE – UFRJ2, com o projeto de Trânsito com Vida, parceria com o Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB). Fizemos cursos de extensão, como o curso sobre adolescência contemporânea para professores. Foi e tem sido um núcleo extremamente ativo, protagonista de iniciativas na área de infância, adolescência e juventude.
Cristiana Carneiro – Um ponto importante é que, posteriormente, a gente situa o NIPIAC em dois institutos. Não fica mais ligado apenas ao Instituto de Psicologia, vai também para a Faculdade de Educação, que mostra um pouco essa amplitude do Núcleo, mas sobretudo também um desejo do próprio grupo ao diálogo, um diálogo mais consistente e abrangente. Por isso, eu queria lhe perguntar como foi esse relacionamento do Núcleo dentro da UFRJ e com a comunidade externa. Você acabou de falar já nesses grandes projetos ligados às Secretarias Municipais. Eu gostaria que você falasse um pouquinho sobre a questão da interdisciplinaridade e dessa interunidade na UFRJ e fora dela, pois nós temos também vários pesquisadores de fora da UFRJ, e como isso culmina nesse desejo de criar o NIAJ.
Lucia Rabello de Castro – O núcleo inicial, o NIPIAC, originou-se no Instituto de Psicologia pelo fato de nós estarmos alocadas no Instituto de Psicologia. Quando chega 2004, quando a gente realizou o JUBRA, ele teve um caráter interdisciplinar. Ele foi e tem sido um evento que, na sua origem, partiu de uma perspectiva de que a infância e a juventude são questões que devem ter esse olhar interdisciplinar, porque não é apenas a Psicologia ou a Educação que vão dar conta de compreender a complexidade desse objeto de estudo. Assim, as nossas práticas e o próprio NIPIAC foram se conformando de modo a aglutinar docentes e estudantes de outras áreas. É claro que uma área que estaria extremamente próxima seria, justamente, a Educação, a Faculdade de Educação, e por isso mesmo essa assimilação institucional do NIPIAC dentro da Faculdade de Educação ocorreu em seguida praticamente. Foi em 2010, se eu me recordo da data. Havia essa ideia de que a Psicologia tinha que estar acompanhada de outros saberes científicos e da capacidade docente de pesquisa instalada na universidade que também estivesse ligada às questões da infância e da juventude. Isso foi e tem sido uma marca que, cada vez mais, nos convoca a fazer um esforço, porque certamente nós todos somos formados disciplinarmente, e esse cruzamento de fronteiras é sempre muito complicado. Falo até da minha experiência, que transito muito nas ciências sociais. Como você mesma falou, atualmente sou presidente de um Comitê de Sociologia da Infância e tenho uma interlocução muito grande com colegas antropólogos, sociólogos e historiadores. A interdisciplinaridade é um desafio que nos convoca e está presente contemporaneamente quando a gente abraça essas questões. Da mesma forma que outros temas que hoje se colocam, como, por exemplo, as questões das emergências climáticas, da sustentabilidade, do ambiente, assim também a questão da infância, adolescência e juventude.
2 – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.