Foto: Antonio Javier Caparo

O importante é alimentar a curiosidade: um ponto de partida para a divulgação da ciência junto a crianças e jovens.

Lucia Lehmann: Nós temos conhecimento de que você elaborou audiolivros.  Por que se interessou pela edição de livros falados?

Neuza Rejane: No caso dos audiolivros, pensei mais especificamente no deficiente visual. Também naquela pessoa que está no hospital e não está podendo ler e não tem ninguém para ler para ela. Aí ela coloca o CD para ouvir. Naquela pessoa que está fazendo exercício, alguma atividade física e, durante o movimento, pode estar ouvindo o audiolivro. Ainda o jovem que está fazendo várias coisas e pode estar ouvindo, a criança que ouve como uma história. E ainda o hiperativo, que está cerrando alguma coisa e não consegue parar para ler… enfim, o audiolivro atende a vários públicos.

Lucia Lehmann: Que linguagem é utilizada nos audiolivros destinados à divulgação de ciência?

Neuza Rejane: A linguagem utilizada segue o mesmo raciocínio dos livros impressos, que buscam uma divulgação da ciência para o público. Uma linguagem compreensível, ausência de muitas citações durante o texto, sendo que para os audiolivros são feitas ainda algumas adaptações, em função da ausência de figuras, de tabelas, de apelos visuais. O objetivo é  tornar a obra compreensível e acessível. As referências e  fontes de consultas e outras notas são feitas no final da leitura do texto, o que permite, a quem tiver interesse, poder  buscar as informações que desejar.

Lucia Lehmann: Você avalia que a divulgação científica para crianças e jovens se dá mais intensamente em algumas áreas em detrimento de outras? Há mais iniciativas de divulgação científica para crianças e/ou jovens na área das ciências físicas e biológicas do que nas áreas das ciências humanas e sociais?

Neuza Rejane: Acho que sim, que isso se dá tanto para o público em geral, como também para crianças e jovens. As áreas de biologia, de física, de química têm mais divulgação do que as ciências humanas. Essa é a minha experiência. Acho que este movimento também está ligado à formação. Se você se forma como psicólogo, vai logo para o mercado de trabalho. Não sei se estou certa, você, que é da área de humanas, pode falar melhor sobre isso (risos).

Lucia Lehmann: A divulgação de ciências para os jovens pode se dar por meio da escrita, do rádio, mídia, também dos museus. Qual, ou quais, destes meios têm sido mais interessante para os jovens e para as crianças?

Neuza Rejane: A televisão ainda é o meio que atinge mais, que é mais visto pelo jovem, e mais ainda pela criança. Falamos de internet, mas na TV existem documentários e também programas que têm informações inseridas. Os meus filhos ficam assistindo vários programas de televisão, como, por exemplo, Vivendo no limite, que mostra a comida no ambiente, como  se  lida com o animal; Discovery Kids; Bear grills, acho que é  este o nome, um programa em que o sujeito está na Ásia, com sede, e pode pegar fezes de elefante, espremer na meia e beber que não faz mal, ou coletar água do leito do rio, daquela areia úmida, ele filtra na meia e bebe aquela água. Tem algumas coisas de sobrevivência que tem um pouco de ciência: cheirar a carne para saber se está com cheiro de estragado, estar atento se não está com bactéria, toxinas etc. Então, mesmo em programas que não se propõem exatamente a divulgar conhecimento, tem informações que são passadas de maneira curiosa, dentro de um contexto atrativo.
Por outro lado, você tem filmes, como, por exemplo, Guerra nas estrelas, uma obra de ficção cheia de equívocos físicos, químicos e biológicos. E o filme é passado como se fosse assim referência de um mundo fora do nosso planeta, na verdade, se você for analisar ou ainda conversar com um físico, vai ver uma série de impropriedades.

Lucia Lehmann: Atualmente, grandes eventos, como shows, exposições, encontros de jogos, de música ou culturais, dirigidos a crianças ou ao público geral, têm sido realizados. Como você avalia tais eventos?

Neuza Rejane: Em relação a temas relacionados a ciências, não acho que haja muitos eventos não; a maioria é de eventos culturais. Existem algumas exposições, mas ainda são os museus que promovem as maiores exposições. No Rio de Janeiro, de importância para a ciência, citaria o Museu Nacional, mas ainda temos pouca coisa. São Paulo tem mais atividades, tem museu itinerante, mais exposições extras e eventos. Neste ponto, o Rio, em relação a São Paulo, ainda tem muito a desejar. No Brasil, São Paulo realmente é uma referência na parte de museus e divulgação de ciências.

Lucia Lehmann: Finalizando, o que você acha importante destacar quando se fala em educar e criar interesse e gosto pela ciência nos dias de hoje, principalmente em se tratando dos jovens e crianças?

Neuza Rejane: É importante alimentar a curiosidade! A criança, o jovem, tem curiosidade, só que, com o tempo, eles vão ficando com uma série de limitações no modo de pensar. Temos muitas vezes um modo de educar de forma fechada, padronizada, que pode levar à perda do interesse. A criança precisa poder explorar. Ela pega um gongolo (animal de tamanho médio, que vive em solo úmido, tipo minhoca) e fica olhando, ela não tem medo. Pega uma formiga, acompanha a formiga, até o pai entrar e matar a formiga, e ainda dizer “mata a formiga senão ela vai te morder”. Matar, exterminar, a ideia única de que faz mal, de que chateia. A criança, que tinha curiosidade, passa a ver uma abelha, uma mosca, e a criar medos, mas ela não nasceu com medo da abelha e da mosca, alguém introduziu isso sem um pensar, sem um raciocínio. Direto: mata! A mesma coisa em relação à pessoa de cor, pessoas diferentes e de vários tons de pele. Sem uma influência do adulto, ela não vai ficar excluindo uma e outra, só que vem o adulto e diz ”não anda com ele, se afasta, não convive”. A criança começa a ter preconceito, afasta-se da curiosidade para com a natureza e vai se massificando, vai criando um medo em relação à natureza.
Grande parte do ensino tem muito de “não me questione”. Muitos dos que ensinam não conseguem dizer não sei, vou procurar saber sobre sua pergunta, a maioria dá um corte e já mata a curiosidade do jovem. “Temos um cronograma que precisamos seguir, x, y, z. Hoje não está no meu cronograma”.

Lucia Lehmann: Então, a educação tem uma parcela de contribuição nesta falta de interesse pela ciência. O despertar da curiosidade da criança, do jovem, e também do adulto, é importante não atrapalharmos esta vontade de saber, a curiosidade, a possibilidade de procurar e descobrir respostas.

Neuza Rejane: Exatamente. As pessoas são curiosas por natureza,  mas começam a perder a curiosidade. Acho que cientista é a criança que não cresceu! Criar ciência e divulgar ciência é não massificar,  não se deixar bitolar, buscar sempre uma coisa nova. Como eu sei sobre o sexo dos peixes? O que eu vou fazer com o piolho? Vou pesquisar piolho, vou me meter, porque  eu gosto, porque  eu quero saber para contar para os outros, é bem coisa de criança: porque  eu quero!
Palavras chave: divulgação da ciência, crianças, jovens, internet, rádio, tevê, museus, revistas

Neuza Rejane Wille Lima rejanewilli@uol.com.br
Doutora em Ecologia e Recursos Naturais. Professora Associada do Instituto de Biologia, Universidade Federal Fluminense, Brasil. Atua na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia Teórica e Aplicada. É professora do curso de Pós-graduação em Ciências e Biotecnologia (PPBI) e do Curso de Mestrado Profissional de Diversidade e Inclusão desta universidade. Atua na área de divulgação científica e publicação, e também na divulgação de produtos para promover a inclusão de cegos e surdos nas áreas das ciências biológicas.
Lucia de Mello e Souza Lehmann lehmannlucia@gmail.com
Doutora em Psicologia. Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Brasil. Editora Associada da DESidades.