Foto: Pxhere

Os jovens e os velhos: atualização de um embate frente a algumas questões nacionais

Juliana Siqueira de Lara – Agora, nós chegamos ao segundo momento da nossa mesa, em que abrimos para o público participar com perguntas.

Wagner Côrbo – Boa tarde. Eu agradeço as respostas e as problematizações levantadas pela mesa. Meu nome é Wagner e sou mestre em educação pela UFRJ. Eu dou aulas na rede estadual para alunos de 16 e 17 anos e a questão que eu levanto para a mesa é a seguinte: como é possível construir afeto com essa geração, na medida em que eu quero problematizar um conteúdo? Mas na experiência que eu tenho, de quando eu tinha aquela idade, tudo era só conteúdo. Eu só estudei conteúdo, eu sou professor de história e sempre gostei disso. Mas essa racionalização do conteúdo não atinge mais esses jovens. Os jovens querem estar junto com os professores nessa relação entre professor e aluno que a professora explicou. Então, eu gostaria de saber como construir afetos nesta relação de sala de aula com esses jovens, se eles são tão distantes da minha geração.

Pedro Fernando de Oliveira – Boa tarde a todos e todas. Eu sou o Pedro, historiador, formado pela UFRJ. Gostaria de cumprimentar a professora Lucia e a professora Carmen. Aproveitando que o debate está centrando a questão da importância da escola, de se repensar a escola, eu faço uma pergunta com a intenção de que a resposta tangencie tanto a parte educacional quanto a parte psicológica. Considerando que a escola é um lugar não somente de formação intelectual, mas também de formação da subjetividade do indivíduo que futuramente será um adulto, eu pergunto: o que esperar de uma sociedade que brevemente será formada por pessoas que foram escolarizadas pela tutoria doméstica? Se é que a gente pode utilizar a expressão escolarizada, neste caso. Tutoria doméstica seria uma expressão para falar sobre essa medida que pretende permitir que religiosos, pais e mães possam educar seus filhos dentro da sua própria casa, dentro de sua própria comunidade, sem precisar cumprir um dispositivo constitucional, que é a obrigatoriedade da escolarização na escola.

Adelaide Rezende – Eu sou Adelaide, faço doutorado aqui na Psicologia da UFRJ e estou pesquisando em uma escola na Favela da Maré. Eu fico pensando na constituição de uma relação de sociabilidade, de possibilidade de subjetivação e construção de conhecimento dentro da escola, já que essas foram as três coisas que vocês colocaram em relação à escola. Eu fico me perguntando como se trabalha com essa questão intergeracional numa relação que não seja autoritária, mas que, de alguma forma, passe por uma questão de autoridade. Como se lida com a questão do autoritarismo e da autoridade?

Cristiana Carneiro – Boa tarde, eu sou a Cristiana, da Faculdade de Educação e do Instituto de Psicologia da UFRJ. Eu queria fazer uma pergunta que tangencia um pouco o que todos eles perguntaram. O Wagner traz a questão do afeto, quer dizer, como se os jovens estivessem demandando alguma coisa a mais do que o conteúdo, como se eles já esperassem alguma coisa diferente do conteúdo. Mas isso acaba criando um lugar paradoxal para o professor na atualidade porque a ponta disso seria a educação fora da instituição escolar, por exemplo. Se esse fosse o mote central, então poderia acontecer em vários outros lugares. Então, como a gente pode pensar uma saída para essa tensão? Claro que o conteúdo é fundamental, mas ele está totalmente em outra localização a partir do momento em que os jovens sabem que, se eles vão para a internet, conseguem ter acesso ao conteúdo, às vezes de uma maneira muito eficiente. Então, minha questão gira em torno de como se colocar diante dessa tensão.

Lucia Rabello de Castro – É interessante como essa ideia de conteúdo aparece tanto na fala da Cristiana como na do Wagner. Eu me reporto ao que Carmen estava falando sobre o currículo. Qual herança deve ser passada? Qual conteúdo deve ser passado? Talvez a gente tenha uma visão bastante engessada sobre os conteúdos que a gente devia passar. Eu me reporto também à minha experiência pessoal como professora já há 40 anos, em que eu comecei a lecionar a mesma disciplina que eu dou até hoje, que antigamente se chamava Psicologia do Desenvolvimento e que hoje se chama Infância. Eu lembro que, nos primórdios, era um conteudismo, sim. Todas as teorias, era a teoria de Piaget, era teoria de Freud, e o aluno tinha que dominar aqueles conteúdos todos. Isso era importante para sua bagagem, para sua formação. Eu não deixo de pensar que isso seja importante também, mas, por outro lado, eu acho que a gente deixou de pensar isso como importante, como uma questão do tempo. Falando de experiências particulares, com filhos até, em que achamos que tem que ser aquele conteúdo, porque eles têm de passar de ano e aprender. Só que aquele conteúdo só vai fazer sentido para ele muito mais tarde, se fizer! E quando fizer sentido para ele muito mais tarde, vai ser quando ele vai aprender muito mais rápida e prazerosamente. Acho que todo professor hoje passa por esse drama. Não só no nível secundário, como também no nível universitário. Hoje, os alunos querem falar mais, eles acham que o conteúdo que você quer transmitir também tem que dar lugar para um ponto de vista deles, que a perspectiva deles tem que ser incluída. Mesmo que, em algum sentido, essas perspectivas sejam equivocadas, isso talvez tenha que encontrar algum lugar ali para poder ser acolhido, entendido e trabalhado. Eu acho que a gente está vivenciando um outro paradigma, que vai nos exigir outras disposições subjetivas nesse processo da transmissão.
Quando o Pedro traz essa questão sobre que sociedade é essa, eu acho que é uma sociedade em que, no mínimo, há uma destituição de qualquer projeto coletivo de nação, onde não existe lugar para a construção pública, coletiva do que seria, por exemplo, voltando à primeira pergunta, a questão de herança. Qual é a herança que nós temos, como brasileiros, que seja importante transmitir a outra geração? Isso não é uma decisão individual. É uma decisão coletiva, pública e política também. Então, a gente só pode esperar desastre e prejuízo quando o que se tem para construir é algo do âmbito do umbigo de determinadas elites. Porque eu não acho que, em termos de uma política pública, todos têm condição de arcar com esse tipo de projeto individual (a tutoria doméstica). É claro que isso vai ser extremamente discriminatório e vai trazer imensos prejuízos para quem não tem possibilidades de arcar pessoalmente com esse projeto, de uma forma familiar e pessoal.

Carmen Teresa Gabriel – Talvez, precisemos desconstruir o significante conteúdo e repensar o que estamos chamando de afeto. Conteúdo é uma palavra maldita hoje no campo educacional, é impressionante! A luta da cultura escolar para se afirmar como um campo político, como um campo aberto às outras questões que a atravessavam, reduziu esse debate – eu vou ser simples, mas não necessariamente simplista – à tensão conteúdos versus valores. Isso para mim foi o maior tiro no pé que nós fizemos. Conteúdo, no meu entendimento, pode ser visto como um fluxo de cientificidade que participa da produção do conhecimento escolar. Conteúdo não é sinônimo de conhecimento escolar. Por exemplo, a Revolta da Chibata pode ser considerada um conteúdo, mas o conhecimento escolar, aquilo que o professor, quase como um mágico, como um alquimista, articula para ensinar a Revolta da Chibata, mobiliza muitos outros conhecimentos para chegar à formulação de uma Revolta da Chibata como objeto de ensino. O conteúdo é o que garante a relação com o conhecimento científico e eu defendo que a escola é o lugar onde a gente estabelece uma relação produtiva com esse tipo de conhecimento. Não é o único conhecimento, mas a escola não pode abrir mão disso. A escola tem um compromisso com a verdade, ou melhor, com regimes de verdade. Eu acho que essa é uma questão, mesmo hoje, no momento em que estamos discutindo, que não existe verdade absoluta e eu concordo. Mas os campos disciplinares têm os seus regimes de verdade, e acho que a gente não pode ensinar coisa errada na escola. A ciência tem as suas regras e alguns compromissos com esses regimes de verdade, que estão sempre em disputa pelo monopólio do campo científico. O conteúdo seria fruto dessas disputas, reelaboradas didaticamente.

Outra coisa que entra na alquimia produtora do conhecimento escolar é a dimensão do afeto, que não é o afeto entendido como o fato de o aluno gostar do professor. Isso é relativamente fácil. Não é disso que estamos falando, mas sim do afeto de ser afetado por aquele conteúdo. Você pode ter um professor brilhante que conheça à beça sobre regimes ditatoriais, por exemplo, que dá aulas brilhantes, que traz o conhecimento científico com tudo que oferece a pesquisa de ponta hoje, mas que não consegue afetar os alunos. Então, como podemos buscar isso nos processos pedagógicos? Há várias formas de se fazer isso. A arte, o cinema são uma forma de se fazer isso. Outra possibilidade seria trazer testemunhas que vivenciaram certos momentos, com suas falas, suas narrativas. Acho que isso é o mais difícil, afetar o aluno. Ele tem que se sentir afetado por aquilo que tem a ver com alguma coisa que o desestabilize da sua zona de conforto.

Sobre a autoridade, eu acho que a diferença entre autoridade e autoritarismo passa pelo respeito e a aposta no outro como um ser criativo. O não acreditar no outro, achar que todos estão já perdidos, isso não ajuda no que diz respeito a termos ou não autoridade. Porque a autoridade está ligada com a questão do cuidado, da solidariedade, do acreditar no outro, do apostar no outro e acreditar que todo mundo pode aprender. Então, é importante se pensar sobre o que é o conhecimento, essa matéria-prima. Não é somente o conteúdo, não são só valores, é uma alquimia mesmo, é uma bricolagem.

Por exemplo, eu estava fazendo a pesquisa de doutorado no momento em que as torres gêmeas caíram nos EUA. No dia seguinte, eu fui assistir a uma aula de história e a professora estava dando aula sobre Grécia Antiga, e estava todo mundo falando sobre esse desastre, sobre o ataque terrorista às torres gêmeas. Todo mundo só falava disso. A professora deixou todo mundo falar por uns 2 minutos e disse: “agora vamos partir para as coisas mais sérias e falar sobre a Grécia Antiga”. O que aconteceu com a sensibilidade desse professor de entender como poderia trazer esse acontecimento e até continuar no seu conteúdo? O que é cumprir um conteúdo? São muitas questões que nos mostram que a formação da dimensão pedagógica do conhecimento é fundamental nesse sentido. Eu não acredito que basta dominar um conteúdo para ser um bom professor na educação básica, nem para ser bom professor na universidade. Você pode ser um excelente matemático, você pode ser um excelente historiador, mas se você não sabe o que fazer com as demandas daqueles sujeitos de desejo e de conhecimento e como você articula todos esses saberes, você não consegue ficar na profissão, e tem gente que não está conseguindo ficar. É preciso, pois, pensar que não podemos abrir mão do conteúdo, de pensar o que é o conteúdo e que conteúdo importa ensinar.

Eu estou com um aluno de doutorado discutindo essa tal de homeschooling. Esta não é uma questão de ser de direita, nem de esquerda, isso é o fim de qualquer projeto possível de Nação. Não é à toa que a escola é inventada justamente para consolidar os estados nacionais, com o que tem de bom e pior. Mas abrir mão desse espaço e achar que a escola pode ser do domínio privado reforça as desigualdades. A gente tem que lutar muito para defender a escola pública! Isso não tem sentido! Isso tudo está vindo como um pacote de maldades contra tudo o que diz respeito ao conhecimento, à intelectualidade, à escola e à universidade. Por exemplo, a gente acabou de saber que as bolsas de mestrado e doutorado foram cortadas pela Capes. Quer dizer, ocorre o estrangulamento da universidade. E o que é uma universidade? É um espaço para construir um pensamento crítico. Esses ataques vêm justamente nesse domínio do conhecimento, não é à toa e não é por acaso.

Infelizmente, não há receitas, mas há apostas. Aposta é olhar para o outro e dizer: eu acredito em você, vamos juntos nessa travessia! Eu olho para o meu aluno e digo: vamos juntos! Vamos atravessar juntos! Vamos aprender e ensinar juntos! Eu aprendo sempre o tempo todo, desde termos novos até formas de agir no mundo. Eu acho que é importante essa abertura de não acharmos que estamos prontos e que apenas nós somos capazes de ensinar e que o aluno será aquele que irá receber um conhecimento pronto e definitivo. É esse paradigma que nós temos que mudar! O Rancière fala do mestre como aquele que faz a passagem. Eu acho bonita essa imagem, no sentido de que o professor é aquele que vai acompanhar na passagem, talvez do mundo dos jovens para o mundo dos adultos, do espaço privado ao espaço público.

Juliana Siqueira de Lara – Eu fiquei particularmente empolgada com a sua fala final e com todo o nosso debate. E fiquei pensando um pouco no significante autoritarismo que a Adelaide trouxe e depois sobre a autoridade. Ouvindo a sua fala, me veio o significante alteridade. Me parece que a palavra alteridade traz uma maior potencialidade de poder falar no que diz respeito às gerações e ao reconhecimento do outro. Soma-se a isso a possibilidade de que jovens, crianças, adultos e velhos possam conseguir endereçar uns aos outros, na escola, na família, na universidade.

Lucia Rabello de Castro – Eu queria voltar à questão levantada pelo Wagner, do que ele chama de afetos e que coloca numa certa oposição em relação aos conteúdos. Quando você fez a pergunta, você estava se focando na questão da demanda dos jovens em relação aos afetos, numa demanda de afeto pelos jovens, dentro desse processo de transmissão. Eu fico pensando, por outro lado, na questão dos professores e também dos alunos, muito sob a perspectiva do prazer, que não está dissociada da questão do conhecimento. Pelo contrário, o desejo de saber tem que estar imbuído de um desfrute que você antecipa, de alguma coisa da ordem do prazer.

Quando Wagner coloca essa questão, eu fico pensando que talvez exista aí uma diferença entre gerações. Antes, talvez, os alunos já vinham muito imbuídos por uma socialização prévia, de uma expectativa de que, para crescer, eles teriam que estudar. Havia identificações já meio programadas e mais tácitas com a figura do adulto e que, para ser adulto, você teria que investir e se preparar. Hoje, isso está completamente em curto-circuito. Eu escuto muito a sua pergunta no sentido de como o professor vai poder ajudar o aluno na travessia do conhecimento quando não há nada disso que anteriormente a gente pensou, seja o prazer de estudar como já inerente ao aluno, seja o prazer de conhecer. Eu acho que são muitos desafios: resgatar esse prazer e, por outro lado, fazer com que o professor tenha prazer de estar ali e tenha também identificação com todos aqueles alunos. A pergunta seria: será que esses alunos e esse professor – que vem de um outro extrato socioeconômico, de outra origem – se identificam? Será que o professor aposta em todos esses alunos no sentido de ter prazer de estar com eles, de ter vontade de fazer com que eles possam usá-lo para fazer essa travessia nessa descoberta de conhecer coisas que não sabem? Eu acho que isso leva tempo na escola, porque quando você está muito atolado e tem que cumprir um programa, talvez você tenha menos tempo de trabalhar isso que você está chamando de questão afetiva.

Carmen Teresa Gabriel – Eu acho que o desafio maior é como nós justamente criamos esse laço de paixão positiva, numa relação positiva com o aprender. Há uma área da filosofia que está vindo discutir com a educação, dizendo justamente isso: por que não pensar justamente essa escola como um tempo livre? Ou seja, um tempo em que a relação com o conhecimento não é interessada. Não estudamos só para entrar no mercado de trabalho, para ganhar pontos etc. Uma lógica que ainda está muito presente é sobre o cumprimento do programa. Essa talvez seja uma lógica pedagógica que se tornou hegemônica por muito tempo, mas nós estamos em um momento de desconstruir isso também, isso de querermos controlar a aprendizagem. Quem disse que todo mundo tem que cumprir o programa? A figura do professor que cumpre completamente o programa é um mito que foi inventado. Então, eu acho que tem muitas desconstruções que estão começando a ser feitas.

Juliana Siqueira de Lara – Nesse sentido da dificuldade do cumprimento do programa, do desejo de controle da aprendizagem e pensando nessa insuficiência institucional da escola, da universidade e das relações entre jovens e adultos, talvez devêssemos apostar numa insuficiência já dada de saída aos sujeitos. Estou falando no valor positivo das palavras fragilidade, insuficiência e inacabamento. Talvez, seja um dos motivos pelos quais a universidade esteja sofrendo com ataques e tantos cortes. Porque a fragilidade que ela aparenta diz justamente o contrário, da potência desse espaço e de todo o trabalho de laço que se proporciona aqui dentro.

Ana Paula Pedro – Puxando um pouco o que a professora Carmen trouxe sobre o conceito de comum e sobre a provocação que a professora Lucia fez a respeito de outros modelos de transmissão e o conceito de herança, de legado e tudo o que foi trazido sobre o papel da escola, vocês acham que é possível pensarmos no comum e no afeto como complementares e como outros possíveis modelos de transmissão?

Carmen Teresa Gabriel – É nisso que eu estou querendo apostar no sentido da construção desse comum. O comum não está dado, não é de uma comunidade de origem, como se fosse um pertencimento a algo que já existe. É o deslocamento do comum para uma perspectiva de um princípio político de busca da co-construção, da co-produção de sentido, de um coletivo. Eu acredito que esse seja o caminho possível, embora tão difícil, porque o movimento é quase contra a maré. E quem vai decidir esse comum? Não se pode ter um grupo com interesses particulares que vai decidir sozinho sobre esse comum, mas é algo que diz respeito à produção e à gestão coletiva, em todos os aspectos, em todas as escalas: para pensar o currículo, o projeto pedagógico da escola, a universidade. O comum é estar juntos para construir e fazer juntos. É um princípio político que eu acho potente. Eu acho que a ocupação da escola é um exemplo de um comum. Nas escolas ocupadas, havia professores, alunos e pais de alunos, todos construindo aquele cotidiano, dizendo: “essa escola é nossa”. É essa ideia do comum que eu estou falando. Não é um comum que se reduz ao sinônimo de público, entendido, por sua vez, em oposição ao privado, mas o comum como uma ação de se colocar juntos na posição de produzir as regras de uso de algo instituído como coletivo.

Lucia Rabello de Castro – Eu concordo totalmente com a Carmen. Só que eu também penso que vai ser um processo que exige grande transformação subjetiva. E já que nós estamos falando das questões intergeracionais, eu acho que isso se dá tanto por parte dos adultos, que precisam assumir a sua fragilidade, a sua incompletude e o seu inacabamento, como também por parte dos jovens, no sentido dessa reivindicação acusatória, de que talvez os adultos tenham de estar sempre no lugar de provê-los em tudo, e que eles não podem assumir nada. Isso exige certo deslocamento dos jovens enquanto aqueles que querem ser protegidos, desobrigados e desresponsabilizados. Acho que vai exigir grandes deslocamentos subjetivos no sentido de se fazer um outro investimento, porque buscar esse comum é uma busca ativa de ações. Esse comum só vai poder emergir a partir das ações coletivas, e construir o coletivo é sempre muito difícil. É difícil ir além da divergência para construir um coletivo onde a gente se reconhece, sim, mas muito mal. Já dizia Freud que, na identificação coletiva, é onde você mal se reconhece. Mas você tem de se reconhecer ali porque é a convivência coletiva, é aquilo que está além das suas idiossincrasias e do que você, como indivíduo, gostaria que fosse. É um processo muito longo e que a escola também vai ter de fazer. Isso tudo seria uma bela aposta para se pensar em um outro tipo de gestão, um outro tipo de estar junto na escola e de construção do que vai ser esse projeto político pedagógico da escola.

Juliana Siqueira de Lara – Eu gostaria de agradecer muito a presença da professora Carmen, da professora Lucia e de todos aqui presentes.

Resumo

O encontro aqui transcrito discute a temática da diferença geracional no tocante às heranças, dívidas e apostas da sociedade e da educação brasileira em relação às futuras gerações. Parte-se de uma reflexão sobre a iniquidade geracional, atestada, por exemplo, no genocídio e encarceramento da juventude negra e pobre no Brasil. Destaca-se que tal realidade se deve, em grande medida, à transmissão de injustiças históricas, sociais e políticas que marcam o processo de subjetivação dos jovens brasileiros. A partir desses pressupostos, a mesa debate sobre a transmissão na educação pública e privada; questiona as responsabilidades de jovens e velhos na construção do conhecimento e da sociedade; e, entre outras coisas, trata da natureza do afeto envolvido na transmissão como uma via para repensarmos a atividade educativa, de modo a promover a construção do comum, entendido a partir de uma coprodução de sentido.

Palavras-chave: relações intergeracionais, transmissão, descolonialidade, educação brasileira.

Abstract

The round-table discussion transcribed here discusses generacional difference in what it touches upon the subjects of inheritances, debts and bets made by brazilian society and educational system in relation to future generations. A reflection on social inequality is assumed here, evidenced by the genocide and imprisonment of black and poor brazilian youth, for example. Based on these assumptions, the round-table debates de subject of transmission in public and private education; questions the responsibility of young and old in the construction of knowledge and society; and, among other things, discusses the affective nature of transmission as a means for the reformulation of educational practices, promoting the construction of the common, understood here as a coproduction of meaning.

Keywords: intergenerational relations, transmission, decoloniality, brazilian education.

A versão audiovisual da mesa está disponível no canal DESidades, no Youtube: 

https://www.youtube.com/watch?v=qeAnafo8oUc

Data de recebimento: 08/05/2019
Data de aprovação: 28/06/2019

Carmen Teresa Gabriel carmenteresagabriel@gmail.com
Professora Titular de Currículo da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Atua nas áreas de Currículo e de Ensino de História na graduação (Curso de Pedagogia e de Licenciatura de História da UFRJ), no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFRJ) e no Programa de Pós-graduação em Ensino de História (PROFHistória/UFRJ).
Lucia Rabello de Castro lrcastro@infolink.com.br
Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Pesquisadora Sênior do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Brasil. Editora Chefe do periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Juliana Siqueira de Lara j.siq.lara@gmail.com
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Mestra em Psicologia pelo mesmo Programa e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Atua como Editora Assistente no periódico DESidades - Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.