Foto: Ronai Pires da Rocha

Tempo, silêncio e esquecimento: o que ficou da experiência dos jovens de Santa Maria?

Sonia Borges: O que, para você e para as pessoas que trabalharam e trabalham diretamente com os jovens, permite avançar apesar de toda a dor e sofrimento que operam na costura de tantas possíveis fissuras internas?

Volnei Dassoler: Desde o início tivemos a preocupação de estar atentos aos efeitos que esse trabalho poderia resultar nos profissionais envolvidos com essa operação. Estabelecemos espaços de supervisão individual e coletiva dos casos, supervisão institucional e apoio da gestão municipal, rodas de conversa e reavaliação permanente do processo de trabalho. Hoje, os profissionais que atuam no Acolhe Saúde se percebem um pouco mais de fora com relação ao contexto das primeiras semanas, período em que era muito fácil confundir seu papel com o do cidadão e mesmo com o de sujeito, afetados que estávamos.

Sonia Borges: Seria um ato de reparação, não somente para Santa Maria, mas para todo o Brasil, uma resposta efetiva e pragmática do poder público – seja ele representado pelo legislativo ou executivo – no sentido de fazer valer as leis protetivas e de fiscalização para impedir que novas tragédias como essa voltem a ocorrer?

Volnei Dassoler: Acredito que o incêndio na boate Kiss carrega essa potencialidade de estimular uma reflexão por parte de toda a sociedade quanto aos elementos que estiveram envolvidos nesse fato. Isso vale tanto para o que diz respeito às responsabilidades do poder público, quanto para uma reflexão sobre a maneira como os cidadãos lidam com as leis que ordenam a vida comunitária quando elas envolvem interesses pessoais.

Sonia Borges: Obrigada pela entrevista e pela disponibilidade em falar sobre esse tema. Esperamos que aqui, de algum modo, você também tenha encontrado um espaço onde toda essa vivência possa fazer um sentido compartilhado. Gostaria de acrescentar alguma coisa?

Volnei Dassoler: Gostaria de registrar que a mobilização sem precedentes que observamos na tragédia de Santa Maria só se efetivou pela reação imediata dos poderes públicos, da população e dos profissionais, atuação que foi fundamental para que o quadro não se tornasse mais grave. Além disso, houve uma produção importante de conhecimento sobre o fazer psicossocial nas situações de tragédia e de urgência, que estão servindo de referência para outras situações similares.
 
 
Palavras-chave: boate Kiss, psicologia, adolescência, clínica psicossocial.

Volnei Antonio Dassoler dassoler@terra.com.br
Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, mestre em Psicologia (Universidade Federal de Santa Maria - UFSM), tutor do Núcleo da Psicologia da Residência Multiprofissional em Saúde Mental (UFSM) e membro do comitê gestor do Acolhe Saúde, serviço de Atenção Psicossocial às vítimas do incêndio na boate Kiss da Prefeitura Municipal de Santa Maria - RS.
Sonia Borges Cardoso de Oliveira soniarborges@uol.com.br
Psicóloga, doutora em Psicologia, pesquisadora permanente do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Editora Associada da DESidades, atua principalmente nos seguintes temas: psicologia e intervenção clínica; juventude e adolescência; grupos de discussão; processos de subjetivação e o lugar do sofrimento no contemporâneo.