Observamos nas últimas décadas significativos avanços no debate público em torno do tema da “juventude” no Brasil e América Latina. A relevância crescente desta categoria social pode ser verificada tanto pela renovação do interesse e consequente ampliação de estudos, pesquisas e publicações no campo das ciências humanas, quanto pela ampliação das iniciativas destinadas a este segmento por parte de diversos atores governamentais e da sociedade civil em nosso continente.
Esta ampliação do interesse também se faz notar sobre temas relacionados aos jovens rurais, porém com menor intensidade. No caso destes últimos, dois aspectos foram importantes para impulsionar inicialmente o debate. Primeiro, as estatísticas dos processos migratórios demonstraram que o êxodo rural, nas últimas décadas, foi protagonizado principalmente por jovens, entre os quais as mulheres constituíram a maioria. Tal fenômeno contribuiu para um acentuado processo de envelhecimento e masculinização das populações rurais. Outro aspecto, menos explícito, porém não menos importante, tem sido a persistência de uma certa situação de invisibilidade social a que estão submetidos os jovens no meio rural.
Este artigo tem como objetivo problematizar este segundo processo. Pretende-se situar o leitor no que consiste a invisibilidade social. Em seguida, demonstrar como esta invisibilidade social se processa no âmbito dos estudos acadêmicos. Visamos ainda elencar algumas hipóteses para o desinteresse acadêmico sobre o tema. Por fim, argumentaremos que a superação desta situação passa pelo reconhecimento da complexidade do fenômeno juvenil no campo, o que daria vazão à percepção da existência de diversas juventudes rurais.
1) Definindo o problema da invisibilidade social
A invisibilidade consiste na característica de um objeto de não ser visível aos observadores porque não absorve nem reflete luz. Ao acrescentarmos o termo social, estamos nos referindo a situações em que determinados sujeitos se encontram imperceptíveis nas relações sociais. Trata-se, portanto, de uma ação social que implica em não ver o outro, não enxergar sua existência social e tudo que decorre deste fato. Ou seja, por invisibilidade social entendemos todo um processo de não reconhecimento e indiferença em relação a sujeitos subalternos da sociedade. Esta invisibilidade social nega ao outro o direito ao reconhecimento e à identidade social. Ela se manifesta na vida cotidiana, opera de modo intersubjetivo e objetiva-se nas práticas do senso comum e do campo científico. Particularmente em relação à produção do conhecimento científico, a invisibilidade se processa quando este não abrange tais sujeitos, não reflete sobre eles, não lhes reconhece a existência e nem lhes atribui capacidades reflexivas.
Entre todos os excluídos e marginalizados de nossa sociedade atual, os jovens que vivem em territórios rurais figuram entre os mais vulneráveis. A invisibilidade social a que estes jovens estão submetidos consiste numa das expressões mais cruéis de exclusão social, uma vez que, dessa forma, eles não se tornam sujeitos de direitos sociais ou alvos de políticas públicas, inviabilizando o rompimento da própria condição de exclusão.
Nesse contexto, a juventude rural aparece como um setor extremamente fragilizado de nossa sociedade. Enquanto eles permanecerem invisíveis ao meio acadêmico e ao sistema político, não sendo socialmente reconhecidos como sujeitos de direitos, dificilmente serão incluídos na agenda governamental. Até que essa inclusão ocorra, o que se tem são “estados de coisas”: situações mais ou menos prolongadas de incômodo, injustiça, insatisfação ou perigo, que atingem os grupos de jovens rurais, sem chegar a compor a agenda governamental ou mobilizar as autoridades políticas (Rua, 1998). O atual “estado de coisas” implica em negação do direito básico de ter tratamento e oportunidades iguais, ou seja, representa a negação da cidadania para a juventude do meio rural. Esse segmento, sob muitos aspectos, não acessa nem usufrui do conjunto de direitos básicos que estruturam a condição de cidadão. Não é exagero dizer que os jovens rurais não gozam do direito à cidadania quando se trata de admiti-los como sujeitos ou atores políticos, com direito de participar das decisões que afetam sua vida e seu futuro. Além disso, da perspectiva dos direitos sociais, mesmo os mais elementares, essa juventude convive com diversas situações de não reconhecimento, preconceitos, estigma, marginalidade e exclusão.