Juventudes em movimento: experiências, redes e afetos. Organizado por Veriana Colaço, Idilva Germano, Luciana Lobo Miranda, João Paulo Barros

Resenha por Ângela de Alencar Araripe Pinheiro

Juventudes em Caleidoscópio: Uma coletânea bonita de se ler1

Admirável espírito dos moços,
a vida te pertence. Os alvoroços,
as iras e entusiasmos que cultivas
são as rosas do tempo, inquietas, vivas.
Erra e procura e sofre e indaga e ama,
que nas cinzas do amor perdura a flama.
As Rosas do Tempo – Carlos Drummond de Andrade

Temos em mão uma coletânea, talvez a publicação no Brasil a reunir o maior número de textos sobre a temática das juventudes contemporâneas, a constituir um caleidoscópio, como os próprios organizadores a denominam. Estes trazem essa metáfora na orelha e na Apresentação.

É por demais oportuna a denominação de caleidoscópio, uma vez que as quase infindáveis combinações possíveis desse instrumento parecem corresponder às quase incontáveis interrogações e instigações contidas na coletânea, a partir da leitura de cada texto, de seus entrelaçamentos e das articulações entre os olhares em movimento sobre juventudes.

Os responsáveis pela publicação – UFC e REDEJUBRA – evidenciam a profícua associação que vem se consolidando entre instâncias de ensino, pesquisa, extensão e ação política, concretizadas no mundo acadêmico – acentuadamente nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFESs) – com a REDEJUBRA – Rede Nacional de Pesquisadores e Pesquisadoras sobre Juventude, criada por ocasião do VII Simpósio Internacional sobre Juventude Brasileira – VII JUBRA. O conteúdo da coletânea em resenha constitui-se frutífero desdobramento do VII Simpósio. Na tessitura entre Instituições de Ensino Superior (IESs), movimentos sociais, distintos campos de saber, formações e experiências, de abordagens contextuais voltadas para as micro e macro realidades, a partir de tudo isso, se alicerça o conteúdo do livro em análise. A obra consiste em uma bela amostragem do que fazem laboratórios, núcleos e grupos de pesquisa, programas e projetos de extensão, presença na cena pública, com seus integrantes como partícipes da elaboração, monitoramento e controle social de pautas públicas relacionadas a infâncias, adolescências e juventudes do País.

Os organizadores da publicação – Veriana Colaço, Idilva Germano, Luciana Lobo e João Paulo Barros – são Professores do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, instituição pública que sediou o VII JUBRA, na cidade de Fortaleza, em agosto de 2017.

Na Apresentação, seus organizadores incluem breve resumo da história dos JUBRAs e, ao sintetizarem como foi a sua sétima edição, permitem-nos perceber a ideia de continuidade do Simpósio e sua não linearidade, incluindo um denso resumo da construção e realização coletivas do VII JUBRA – definição do tema geral – Juventudes em Movimento: experiências, redes e afetos – que dá título à coletânea; organização das equipes locais; tomadas de decisão; programação; participantes, parcerias, apoios; e os doze eixos temáticos, em torno dos quais o Simpósio foi delineado, a saber: relações étnico-raciais; violência e conflito; territórios de resistência no campo e na cidade; tempo livre, esporte e lazer; saúde e consumo de drogas; movimentos sociais; gênero e sexualidade; arte e cultura; espiritualidade e religiosidade; educação; trabalho; e consumo de novas mídias. Esses doze eixos temáticos permitem-nos perceber a abrangência e a intensidade presentes no decorrer do VII JUBRA, a pulsar e impulsionar debates, escutas, trocas, vivências.

Para seus organizadores, a coletânea tem como propósito, a partir da seleção de textos de convidados do VII JUBRA, “compartilhar seus estudos, experiências e reflexões sobre juventudes no País, no espírito de estender o debate para outros públicos”. Têm, outrossim, o cuidado de situar os leitores no contexto sócio político brasileiro em que se realizou o Simpósio, bem como os motivos para a utilização que fazem do termo JuventudeS, no plural.

Os organizadores incluem em seu texto, ademais, observações analíticas sobre o contexto brasileiro pós VII JUBRA, apontando para sua complexidade e “resvalos” na vida social, particularmente de jovens e de juventudes, e nas Políticas Públicas que devem se voltar para eles e elas – em toda a sua diversidade.

É expressivo o número de autoras e autores dos textos de Juventudes em Movimento: experiências, redes e afetos, representativos do que vem sendo pensado, refletido e concretizado sobre e com sujeitos jovens no País, quer no âmbito acadêmico, quer nos movimentos sociais e em instituições com práticas para eles voltadas. Revelam-nos como jovens e juventudes pensam, sentem, vivem, sobrevivem, se sociabilizam, se objetivam e se subjetivam, têm seus direitos constantemente violados e, indignamente, são exterminados.
Legitimados por sua apresentação em simpósio internacional e chancelados por avaliação do Conselho Científico, os textos contemplam o tema geral e os doze eixos temáticos, estando distribuídos nas três partes dessa coletânea:
-1ª Parte: Juventudes na Teoria: Concepções e Desafios – são três capítulos com teorizações sobre juventudes;
– 2ª Parte: Interseccionalidade, Violência contra jovens e Ameaças à Saúde e Bem Estar Juvenis – Tema Central da segunda parte: “a violência e suas derivações, provocando vulnerabilidades e processos de exclusão social” – composta por dez capítulos;
– 3ª Parte – Educação, Cultura e Tecnologia: modos de viver e formas de participação política juvenis – igualmente formada por dez capítulos.

Ao anúncio de cada parte e de seu propósito, seguem sumários de cada capítulo que as compõem, o que permite à leitora, ao leitor, acessá-los e escolher aqueles escritos que possam mobilizar o seu interesse, ao considerar tamanha diversidade de temas. De igual modo, os organizadores incluem sinopse do Prefácio e do Posfácio.

A Professora e Pesquisadora Jaileila Menezes (UFPE) assina o Prefácio, tomando como chão histórico episódios de repercussão nacional e internacional, ocorridos após o VII JUBRA: a execução da Vereadora Marielle Franco (cidade do Rio de Janeiro) e do motorista Anderson Pedro Gomes, em pleno exercício do mandato parlamentar, que ecoava demandas e pautas concernentes a direitos humanos. Jaileila enfatiza a necessidade de não se deixar esquecer “para que assim possamos nos deixar afetar e mobilizar nossos levantes”, e relaciona a vida e a morte de Marielle à produção de conhecimentos com a juventude brasileira, particularmente a pobre e negra, contra a qual a violência se manifesta mais agravadamente. Traz instigantes reflexões sobre a relação entre ausência de políticas públicas para as juventudes e o despedaçar de seus sonhos. Aponta, outrossim, desafios para o trabalho com as juventudes, alvo de reflexões de textos da coletânea, “em dimensões territoriais físicas e virtuais”, a nos revelar “novas sociabilidades e modalidades de participação política”. Por fim, o Prefácio traz ventos de convocação e reanimo à agência criativa, em distintas concretizações a significar reinvenções e resistência popular.

O Posfácio é produção autoral de Ana Júlia Pires Ribeiro, jovem estudante, encarnação, no Brasil, das lutas (juvenis) em defesa da educação pública, no âmbito do ensino médio e superior. Com vivência concreta no movimento OCUPA ESCOLAS 20162, Ana Júlia constrói um texto testemunhal e reflexivo, que porta uma tensão fundante, ao afirmar que “perde-se muito tempo tentando desvendar o espírito dessa galera [juventude] sem ao menos perguntar-lhe diretamente o que é ser jovem”. Traz a pujança dos movimentos sociais e a disposição das juventudes – por Ana Júlia concebidos como sujeitos construtores de decisão –, disposição eivada de diversificados sentimentos para a luta, em conjunção com os trabalhadores e trabalhadoras, como resistência às barbáries que temos vivenciado no atual governo federal.

Quero retomar a ideia da coletânea como caleidoscópio, sua íntima relação com movimentos e as combinações que deles resultam, a produzir imagens coloridas, com diversificadas formas que, a cada nova movimentação, assumem distintas imagens. Em contextos sociais como os nossos e, particularmente, os que envolvem juventudes, que estão em constante transformação, há que dirigirmos o olhar e a ausculta com a maior acuidade e constância possíveis, para ampliar a sua compreensão. Tal qual se dá com os conteúdos de Juventudes em Movimento: experiências, redes e afetos, há que combinarmos ideias, ângulos diversos, com relação a temáticas, realidades, estudos empíricos e teóricos, autores e sujeitos sociais, advindos do mundo universitário e de movimentos, para conteúdos de distintos campos de saber e de vivências. Tudo isso nos requer olhares aguçados às recorrências, singularidades e sutilezas, que podem passar despercebidas a quem produz e consome discursos aligeirados, que circulam sobre juventudes País afora. Tal qual as peças do caleidoscópio, as juventudes longe estão de constituir um padrão único. Daí a denominação “juventudes”, no plural, em suas inúmeras concretizações e complexidades, no tempo, no espaço, nas sociabilidades e nos modos de ser e estar no mundo.

Os conteúdos de Juventudes em Movimento: experiências, redes e afetos constituem consistentes subsídios para adensar reflexões e emprestar solidez ao cotidiano de movimentos sociais, instâncias acadêmicas, comunidades urbanas e rurais, instituições do Poder Público, Organizações não Governamentais (ONGs) e territórios diversificados, no trato das juventudes no Brasil. Traz, além disso, contribuições profundas para a desconstrução de preconceitos, estereótipos e rótulos entranhados no tecido social em relação a jovens e juventudes, e para a construção de visões e práticas críticas e emancipatórias com e sobre eles.

Quero ressaltar, ainda, que é possível sentir intensidades e tensões entre tantos pontos de vista, autores e autoras, contextos e temas, no âmago dessa coletânea. Tensão imprescindível à tessitura reflexiva e à interpelação das realidades, tarefa fundamental para nós, que buscamos, com os nossos saberes e sensibilidades, contribuir para a (re)invenção de um mundo socialmente justo, solidário, fraterno e feliz.

Fica uma sugestão para os leitores da coletânea e para estudiosos e estudiosas, bem como para executoras e executores de práticas com juventudes no País: que sejam entrecruzados os temas abordados também com o controle social de políticas e orçamentos públicos, basilares para a consecução das primeiras.

1 – Faço uma aproximação entre as expressões “bonita de se ler” e “bonito para chover”. Essa última, no Ceará, meu Estado natal, assume significação de tempo extremamente promissor.
2 – De acordo com a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), havia, em outubro de 2016, mais de 1.000 estabelecimentos vinculados à educação ocupados por estudantes no País: escolas e institutos federais (995) e campi universitários (73) encabeçavam a lista. O Paraná concentrava o maior número de ocupações. O Movimento protestava contra a então PEC 241, referente ao limite de gastos públicos (EC 95), e a Medida Provisória 746, concernente à denominada reforma do ensino médio (www.agenciabrasil.ebc.com.br – consulta em 07.08.19).

Referências bibliográficas

 

Juventudes em movimento: experiências, redes e afetos. Organizado por Veriana Colaço, Idilva Germano, Luciana Lobo Miranda, João Paulo Barros. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2019. 556p.

Palavras-Chave: juventudes, teorização, violência, vulnerabilidade, participação política juvenil, cultura.

Data de recebimento: 07/07/2019
Data de aprovação: 10/12/2019

Ângela de Alencar Araripe Pinheiro a3pinheiro@gmail.com
Doutora em Sociologia, Professora da Universidade Federal do Ceará UFC, Brasil. Integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC/UFC) e do Movimento Cada Vida Importa (MCVI).