Um dos temas em destaque deste número 24 da Revista DESidades é o artigo Análise da produção bibliográfica em livros sobre a infância e a juventude na América Latina: atualizações e novos horizontes, fruto do trabalho realizado por pesquisadoras do NIPIAC que atualiza, até 2018, a pesquisa realizada em 2015 pela própria equipe da Revista DESidades, trazendo novos dados sobre o processo de veiculação dos conteúdos acadêmicos e científicos sobre o tema da infância e juventude. Este artigo destaca que tão importante quanto a publicização dos trabalhos acadêmicos em periódicos, é o formato de livro que permite reunir em conjunto vários aspectos sobre um mesmo tema bem como apresentar trabalhos de forma sistemática e minuciosa permitindo uma reflexão e transmissão a longo prazo. Acompanhando a tendência verificada no artigo de aumento na produção de livros e reafirmando nosso papel no contexto editorial latino-americano de dar visibilidade a este tipo de produção editorial, encontram-se neste volume, entre outros assuntos, três resenhas de livros que cobrem aspectos importantes da infância e juventude tais como um levantamento de publicações sobre a juventude rural, a condição nômade de certas infâncias e os efeitos de sua conectividade em um estudo comparativo entre vários países. Tais resenhas reafirmam a potência e a qualidade dos livros e pesquisas realizadas no âmbito Ibero-Latinoamericano, apesar do pouco alcance de público, se comparado com publicações de língua inglesa.
Outro tema em destaque é uma reflexão sobre os valores sociais transmitidos através das políticas de infância e juventude no período da ditadura argentina que encontra hoje uma nova invectiva através do recentemente instalado Servicio Civico Voluntario en Valores que volta a implicar as Forças Armadas nas tarefas de capacitação para o trabalho, treinamento físico e educação. Com o provocativo título “Você sabe o que seu filho está fazendo neste momento?” Políticas da última ditadura argentina em torno da infância e da juventude, María Florencia Osuna aposta que é possível inscrever este acontecimento numa perspectiva histórica mais ampla onde se estabeleciam laços entre a população e forças de segurança de modo a promover valores ligados à disciplina dos corpos, defesa da Pátria e da família. Artigo excelente por nos permitir refletir sobre um fenômeno que também se apresenta no Brasil através dos projetos de militarização das escolas públicas com o objetivo de promover valores semelhantes.
O Espaço Aberto desta edição conta com a presença da Dra. Fernanda Costa-Moura (UFRJ) e Dra. Claudia Andrea Mayorga (UFMG) refletindo sobre Os sintomas do Mal-estar na Universidade brasileira: onde estamos e para onde vamos?, no contexto do ciclo de debates “Subjetividade, Descolonialidade e Universidade”. Nessa mesa as pesquisadoras problematizam os conflitos psíquicos e sociais que rondam as Universidades do Brasil nos atuais tempos de retrocesso e obscurantismo. Pensa-se a condição subjetiva dos estudantes incluídos pelos processos de democratização das universidades, que vivem muitas vezes dilemas que os impedem de se apropriarem do saber desenvolvido na Universidade. Tratam também do tipo de herança que se constitui com as cotas, sociais e raciais, que forçam a Universidade a repensar seu modo de operar. Defende-se que a ação universitária deva ser mais participativa na sociedade, estando mais próxima de seus problemas, sendo trazido o exemplo de projetos de extensão da UFMG em Brumadinho. Tais ações evidenciam que está ao alcance da Universidade buscar uma maior integração, no sentido de aproximar disciplinas distintas mas necessárias à ação eficaz em um campo ou problema comum. Essa mesa deixa evidente que mesmo diante das mudanças anunciadas e demandadas pelos novos tempos, a Universidade pública brasileira segue sua marcha fortalecendo e preservando a ética de pulsar uma sociedade viva.
Como dito anteriormente, esta edição conta com três resenhas. Sobre Masculinidades al andar: experiências de socialización en la niñez urbana de Neuquén de Jesus Jaramillo, Regina Coeli Machado e Silva nos apresenta um livro que destaca o ato de andar como modo através do qual os meninos tomam consciência de si, constroem sua identidade e entendem seu lugar social. Um relato de uma experiência etnográfica com diversas análises dos elementos implicados na socialização e na formação da masculinidade para todas as crianças de um bairro pobre de uma província na Argentina. O bairro, chamado Toma Norte, é marcado por ocupações (toma) de terrenos do Estado, e a pesquisa destaca como que a masculinidade é entendida como uma construção que emerge das interações sociais em movimento, no cotidiano, e não como um processo de internalização de valores.
Ana Jorge nos traz a resenha de Entre selfies y whatsapps – Oportunidades y riesgos para la infancia y la adolescencia conectada, de Estefanía Jiménez, Maialen Garmendia e Miguel Ángel Casado. O livro apresenta um conjunto de artigos que se utilizam dos protocolos de uma rede de pesquisa internacional, a Global Kids Online, que considera a experiência de crianças e jovens com os meios digitais como uma dialética entre riscos e oportunidades. Os autores, da Universidade do País Basco, apresentam, segundo Ana, “uma perspectiva internacional e comparada que representa um avanço no conhecimento disponível”. No livro há pesquisas aplicadas em sua maioria em países europeus, principalmente Espanha, mas incluem também Brasil, Chile, Uruguai, Peru, Costa Rica e Colômbia, examinados em capítulos distintos e também de forma comparativa.
Sobre Juventudes rurais no Brasil: um estado da arte (2006-2016) de Ana Flávia de Sales Costa e Maria Ignez Costa Moreira, a resenha de Michele Castro Caldeira assinala que o livro representa um esforço dos pesquisadores brasileiros de investigar a juventude em suas diversas formas. Trata-se de uma análise das publicações científicas sobre a temática das juventudes rurais que abrange não apenas o campo das Ciências Humanas e Sociais, mas também o campo das Ciências Agrárias, uma vez que apresentaram trabalhos relevantes sobre o tema. Destaca-se que o trabalho atenta para o risco de, ao considerar a prevalência de trabalhos acadêmicos sobre a juventude urbana, tomá-la como modelo de juventude quando na verdade elas são plurais.
Por mais que tenhamos nos livros um apoio consistente do ponto de vista metodológico e conceitual, a função de um periódico é justamente a de trazer uma atualização recente, periódica, do estado de coisas de um campo. Tal esforço de levantamento bibliográfico encontrado neste volume busca retratar de forma ampla o campo das publicações sobre infância e juventude que nos permita, acima de tudo, pensar estratégias para ampliação de seu alcance.
Boa leitura!
Andréa Martello
Editora Associada