Editorial – Ed. 26

A 26a edição da DESIDADES, que abre o ano de 2020, inaugura um momento de retomada e avaliação desta revista, publicada ininterruptamente desde dezembro de 2013. Ao mesmo tempo, lançamos este número acompanhando a dramática situação mundial com a instalação de uma pandemia que já ceifou, até este momento, mais de duzentas mil vidas. Em um momento de crise e agonia para todos, vivemos também as incertezas e a perplexidade do quê será a reconstrução da vida cotidiana quando o tsunami tiver passado. E como isso vai ser para as crianças e os jovens da América Latina e de todos os outros países. Há muito sobre o quê refletir e conversar…

A partir desta edição a revista DESIDADES não terá as duas versões integrais de cada edição nas duas línguas, português e espanhol, mas publicaremos os textos dos artigos, entrevistas e resenhas na sua língua original, que pode ser português ou espanhol. A revista continuará seguindo seu compromisso editorial de estabelecer uma plataforma online de debates científicos sobre a infância e a juventude latino-americanas buscando privilegiar as publicações de autores/as sobre pesquisas com crianças e jovens deste subcontinente. Além disso, a revista busca ampliar este espaço de diálogo científico e acadêmico para contribuições que propiciem uma melhor apreensão de nós mesmos, dos desafios que nos cercam, e, sobretudo, das questões que dizem respeito aos segmentos sociais de crianças, adolescentes e jovens dos países da América Latina. A produção de conhecimento sobre a infância e a juventude na América Latina, ainda que vasta, segue modelos euro-centrados, epistemológica e metodologicamente. Neste subcontinente o processo de subjetivação dos pesquisadores/as ainda se produz sob o registro da “dupla consciência” (Mignolo, 2000) em que as elites intelectuais, embora a contragosto crioulas, se identificam com os padrões do Norte, seja europeus ou norte-americanos, no que diz respeito às formas, processos e produtos do conhecimento. Quijano descreve essa experiência de colonialidade como:

Aplicada de manera específica a la experiencia histórica latino-americana, la perspectiva eurocêntrica de conocimiento opera como un espejo que distorsiona lo que refleja. Es decir, la imagen que encontramos en ese espejo no es del todo quimérica, ya que poseemos tantos y tan importantes rasgos históricos europeos en tantos aspectos, materiales e intersubjetivos. Pero, al mismo tempo, somos tan profundamente distintos. De ahí que cuando miramos a nuestro espejo eurocéntrico, la imagen que vemos sea necesariamente parcial y distorsionada. (2000, p. 243)

Na contramão desta tendência, a revista aposta em espelhamentos que distorçam menos a realidade latino-americana, o que somos e o que queremos, e nos aproximem mais das nossas contradições e mazelas. Para tanto, o desafio permanece de ampliar, aprofundar e adensar a visão latino-americana sobre as crianças e jovens latino-americanos tendo em vista responder às questões e demandas que as realidades de cada país colocam a seus pesquisadores/as.

Nesta edição a revista traz 5 artigos na seção Temas em Destaque. Os jovens indígenas e as grandes questões do seu percurso no ensino superior argentino é o tema do artigo da pesquisadora Maria Macarena Ossola, da Universidade de Buenos Aires; três pesquisadoras brasileiras, da Universidade Federal do Pará – Elise Barroso, Ana Paula Vieira e Joana Neves discutem como os jovens de uma localidade do estado do Pará (norte do Brasil) veem o momento político que sucedeu ao golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma Roussef. No artigo de Maria Carmen Torres, do Instituto Nacional de Educação de Surdos, Brasil, a autora discute como o ethos surdo pode nos instigar sobre a diversidade de formas de estar no mundo; a pesquisadora cubana Karima Oliva e o pesquisador espanhol Abel Delgado nos trazem uma pesquisa que discute o impacto de como as crianças vivenciam a transmissão do patrimônio cultural dos museus; e a pesquisadora Adelaide Rezende, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, discute as formas lúdicas de crianças de uma favela no Rio de Janeiro, em que a disputa pela afirmação de si através da rima se torna um aspecto crucial dos seus jogos.

A seção Espaço Aberto conta com a entrevista realizada por Agostina Gentili com a pesquisadora brasileira Claudia Fonseca sobre a adoção e a circulação de crianças, tema que levanta a poeira de preconceitos e estigmas com que é vista a infância pobre. Na seção das Resenhas, Miriam Kriger, pesquisadora do CIS-CONICET/IDES, Argentina, nos brinda com a resenha do livro de Y. Giraldo e A. Silva, intitulado La solidaridad. Otra forma de ser jóven en las comunas de Medellín, título que já nos instiga a curiosidade sobre essas formas de viver e ser jovem hoje. Por fim, são 21 publicações levantadas no Levantamento Bibliográfico da DESIDADES de livros que foram lançados no último trimestre sobre crianças e jovens na América Latina. A conferir!

Muito boa leitura a todos e todas!

Lucia Rabello de Castro
Editora Chefe

Referências


Mignolo, W. La colonialidad a lo largo y a lo ancho: el hemisfério occidental en el horizonte colonial de la modernidade. In: Lander, E. (Org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Buenos Aires: CLACSO/CICCUS, 2000. p. 73-104.

Quijano, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y America Latina. In: Lander, E. (Org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Buenos Aires: CLACSO/ CICCUS,2000. p. 219-264.