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Avaliação de reincidência de ofensa sexual cometida por adolescentes de 16-18 anos

Método

Contexto

A pesquisa foi realizada em uma unidade de saúde de uma capital da região Centro-Oeste que atende pessoas em situação de violência sexual as quais chegam encaminhadas de outros serviços de saúde e de justiça ou por procura espontânea. A equipe de profissionais dessa unidade era composta por psicólogos e assistentes sociais, estudantes e residentes da área da saúde. O ciclo de atendimentos seguia as seguintes etapas: entrevistas de acolhimento, atendimento grupal e encaminhamentos pós-atendimento grupal. As entrevistas de acolhimento tinham o objetivo de contextualizar o serviço de saúde para os indivíduos atendidos e compreender o funcionamento psicossocial do adolescente e sua família e a dinâmica da violência cometida. O atendimento grupal era composto por sete sessões quinzenais, com agenda prévia e temáticas específicas. Os temas das sessões eram previamente definidos a partir de consulta à literatura, trajetória do oferecimento da ação psicossocial e estudos de casos. Acresciam-se ao processo reuniões periódicas com instâncias da área da infância, adolescência e juventude, como a Vara de Família, o Ministério Público e o Núcleo de Atenção à Violência da Secretaria de Saúde (COSTA; PENSO; CONCEIÇÃO, 2015). Rotineiramente, os temas propostos para a intervenção eram: proteção, transgeracionalidade, sexualidade, violência sexual, autoestima e projeto de namoro (COSTA, 2011; COSTA et al., 2015). Os encaminhamentos consistiam em atendimentos telefônicos para cada família e atendimentos presenciais conforme necessidade verificada pela equipe. É importante assinalar que essa rotina era padrão para tempos não pandêmicos. A equipe de pesquisa foi composta por uma orientadora acadêmica e cinco auxiliares de pesquisa: uma aluna de mestrado e quatro alunas de graduação de um curso de Psicologia.

Participantes

Foram consultadas e analisadas as informações registradas nos prontuários de 12 adolescentes em atendimento no ano de 2019. O critério de inclusão foi o adolescente ter entre 16 e 18 anos de idade, conforme objetivo da pesquisa. Todas as ofensas cometidas foram intrafamiliares, incluindo-se relações com a família extensa, conhecidos e vizinhos com interações rotineiras e diárias.

Instrumento

O instrumento utilizado foi o ERASOR 2.0, que é composto por um checklist de 25 fatores que avaliam os riscos com base em 5 categorias: (1) interesses, atitudes e comportamentos sexuais; (2) histórico de agressões sexuais; (3) funcionamento psicossocial; (4) contexto familiar; e (5) tratamento, além da possibilidade de indicar outros fatores para casos específicos (BARROSO; MANITA, 2012a). Cada um dos 25 fatores permite a indicação de: a) presente; b) provável/parcialmente presente; e c) ausente ou desconhecido no histórico de vida do adolescente. O apontamento “presente” diz respeito a ter sido possível observar aquele risco nas informações colhidas e/ou observadas. Do mesmo modo, o apontamento “provável/parcial” indica que o risco está informado de forma parcial; e o apontamento “ausente” indica que não há informação sobre aquele risco. Com base nessas indicações, pode-se formular uma estimativa de risco de reincidência baixo, moderado ou alto, sendo que a avaliação clínica realizada pelos profissionais também é importante na construção dessa estimativa. A decisão final vai depender da combinação de todos os fatores indicados no instrumento.

Coleta das informações

A coleta das informações para a pesquisa ocorreu durante o ano de 2020 em plena vigência da pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Essa condição trouxe impasses na execução da pesquisa, não sendo possível reuniões presenciais para estudo e coletas das informações. As informações que serviram de base para o preenchimento do instrumento foram acessadas nos prontuários dos adolescentes. Esses prontuários continham todos os registros de todas as etapas do atendimento, desde o acolhimento até os contatos telefônicos após a ação grupal.

Utilizou-se o método de pesquisa documental, em que as pesquisadoras consultaram os prontuários de adolescentes entre 16 e 18 anos no período de agosto a outubro de 2020, referente ao atendimento no ano de 2019. Nos prontuários constavam informações a respeito de: dados gerais e psicossociais, ofensa cometida, vítimas, registros da entrevista de acolhimento, genograma, relatório do Ministério Público e registro de desenvolvimento da ação grupal de cada adolescente. Toda a orientação acadêmica e discussão sobre o acesso aos prontuários e retirada das informações ocorreu por via remota.

O procedimento do acesso às informações aconteceu da seguinte forma: a equipe de profissionais da unidade separou os prontuários referentes aos adolescentes entre 16 e 18 anos que estavam em atendimento no ano de 2019; as pesquisadoras (5 auxiliares de pesquisa) e a equipe de profissionais organizaram horários para que o acesso presencial aos prontuários pudesse ser realizado em condições de segurança. Esse acesso ocorreu com uma dupla de pesquisadoras consultando o prontuário em oito encontros com duração de quatro horas cada. A pesquisa documental pode ser uma excelente fonte de informação, pois se trata de um registro perene, padronizado e que oferece menores possibilidades de coleta de erros. Entretanto, pode também ser um ato intrusivo, devendo haver cuidado ético na retirada das informações (BERG, 1998). Os prontuários não foram fotografados e permaneceram na unidade de saúde. A equipe de pesquisadoras tomou os devidos cuidados para registrar as informações de cada prontuário com números, e não com os nomes dos adolescentes, sendo que essas informações foram a base para posterior discussão por via remota com outras pesquisadoras e com a supervisora acadêmica. Todos os momentos presenciais de contato direto com os prontuários seguiram as normas de segurança da instituição, tendo sido evitadas aglomerações e sido utilizado o álcool em gel e máscara no período de permanência no local. Devido à continuidade da pandemia foram realizadas, durante três meses, sete reuniões virtuais com o intuito de discutir as informações coletadas, visando ao preenchimento do checklist ERASOR.

As informações coletadas nos prontuários foram organizadas em uma planilha para cada adolescente e, a partir dessas informações, realizou-se o preenchimento do instrumento. Foram realizadas reuniões virtuais reunindo as avaliadoras, e todos os itens foram discutidos após leitura das informações coletadas, sempre seguindo o formulário de codificação de cada critério do ERASOR. Dentre essas sete reuniões, a orientadora acadêmica participou de quatro. Em seguida, estimou-se o risco de reincidência de agressão sexual nesses adolescentes, o que também foi discutido entre a equipe.

Análise das informações

O ERASOR permite que, com base nas informações coletadas durante todo o processo de atendimento dos adolescentes (desde o acolhimento até encaminhamentos), sejam conhecidos os possíveis fatores de reincidência para cada adolescente. Nas cinco categorias que o instrumento avalia são apresentados critérios que indicam o possível risco. Na categoria de interesses sexuais, avalia-se o consumo excessivo de materiais pornográficos e a presença de fantasias recorrentes com crianças, se os adolescentes utilizaram ameaças verbais, físicas, psicológicas ao abordarem as vítimas e, nesse critério, as pesquisadoras optaram por incluir a sedução como forma de coação nessa abordagem. A utilização da sedução é importante porque funciona como imobilização para a criança que não possui experiência para lidar com essa atitude. Foi avaliado, ainda, se houve atitudes e justificativas por parte do adolescente que suportassem a ofensa cometida. Nesse caso, o grupo de avaliadores optou por incluir a negação de que a ofensa havia ocorrido como parte das justificativas. As análises consideraram o contexto da ofensa sexual no qual a sedução se apresenta como uma forma de se aproximar da vítima, e a negação de ter cometido a ofensa sexual permanece durante todo o processo da intervenção psicossocial. O processo de conversação e reflexão presente na intervenção pode apresentar um resultado de admissão por parte do adolescente em relação ao cometimento da ofensa sexual. Em relação à categoria de histórico de crimes, avaliam-se descrições das ofensas cometidas. Na categoria de funcionamento psicossocial, inclui-se avaliação dos vínculos com pares e desvios de condutas alheios ao cometimento de ofensas sexuais. A categoria de ambiente familiar permitiu reunir informações a respeito de como os familiares lidam e percebem a ofensa cometida pelo adolescente. Já o plano terapêutico se refere à participação no atendimento grupal como espaço de cuidado e reflexão a respeito de temáticas do momento de vida dos adolescentes nesse contexto.

Os riscos – avaliados em alto, moderado e baixo – foram classificados pelas avaliadoras de acordo com a pontuação de cada item das referidas categorias nos campos do instrumento: “presente”, “provável ou parcialmente presente”, “ausente” e também “desconhecido”, ainda que diga respeito a informações que não constam no formulário de onde os dados foram coletados. Para a classificação de alto risco, considerou-se expressiva pontuação em condutas e interesses sexuais desviantes, baixo monitoramento dos responsáveis e baixa ou incompleta adesão dos familiares ao programa terapêutico da instituição. Todas as indicações de risco (alto, moderado, baixo) foram estabelecidas conforme as sugestões de interpretação do ERASOR (BARROSO; MANITA, 2012b).

A classificação de risco moderado perpassou a presença de interação com pares e engajamento dos familiares no monitoramento, proteção e adoção de estratégias preventivas para impedir novas ofensas, ainda que houvesse negação das ofensas, fatores estressores e baixa adesão ao programa terapêutico. Sobre a classificação de risco baixo, considerou-se a adesão completa ao programa terapêutico a presença de pessoas próximas ao adolescente que não fossem da família e de responsáveis engajados nos ambientes de convívio, bem como a presença de estratégias e planos para o futuro – como adesão escolar, inserção em programas direcionados ao mercado de trabalho – e, ainda, a ausência de fatores estressores no convívio familiar ou de condutas e pares desviantes. Os resultados foram classificados de acordo com as referidas categorias de contexto do instrumento.

Cuidados éticos

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, sendo aprovado com parecer nº 2.054.880, em 9 de maio de 2017, e emenda favorável nº 3.245.222, em 4 de abril de 2019.

Ana Clara Gomes da Silva df_anaclara.gomes@hotmail.com

Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Brasil.




Larissa Martins de Mello Fernandez laris8m@gmail.com

Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Brasil.



Ranieli Carvalho Gomes de Sousa ranieligomes16@gmail.com

Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Brasil.



Vanessa de Moura Pereira vanessa.demoura.9828@gmail.com

Graduanda do Curso de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Brasil.



Andrea Schettino Tavares andreaschettino9@gmail.com

Psicóloga, Mestra em Psicologia Clínica e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (PPGPsiCC/IP/UnB), Brasil.

Liana Fortunato Costa lianaf@terra.com.br

Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil, Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (PPGPSICC/IP/UnB), Brasil.