Verônica Bem dos Santos

O que será o amanhã? Expectativas de jovens sobre futuro, política e trabalho

Como conhecê-los? Sobre a metodologia

Pesquisas sobre juventude não são difíceis de encontrar. Instituições públicas, na forma de secretarias dedicadas ao tema, organizações especializadas, fundações e agências privadas lançam periodicamente relatórios sobre o universo jovem. Frequentemente, essas investigações convergem dados estatísticos com análises especializadas sobre os temas contemplados na pesquisa. Em 2013, a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), em parceria com a Unesco3, lançou a “Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião da Juventude Brasileira”. O levantamento identifica temas de interesse e preocupação dos jovens, níveis de participação política e relação com pais e sociedade. No mesmo ano, a PUC-RS4, através do seu Núcleo de Tendências e Pesquisa do Espaço Experiência da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), desenvolveu o Projeto 18/34. A pesquisa realizada com 1.350 jovens, com idades entre 18 e 34 anos, em 16 cidades brasileiras, teve como foco de investigação os hábitos de lazer e consumo; e os sonhos dos jovens brasileiros. Também em 2013, a agência Box 1824 lançou a pesquisa “O sonho brasileiro da política”; trata-se de uma ampla investigação sobre atuação política pela ótica dos jovens. Compreendendo o levante de junho de 20135como momento paradigmático, a pesquisa busca entender e ilustrar os sentidos construídos a partir do evento. Os dados mobilizados no levantamento questionam o estigma apolítico dos jovens e a aparente apatia em torno do assunto. As pesquisas citadas ilustram o universo de estudos que são produzidos periodicamente sobre o assunto.

Para traçar um perfil preliminar dos jovens, recorremos a pesquisas realizadas em 2013, incluindo as citadas, que tiveram como objetivo compreender o universo jovem contemporâneo no que se refere aos seus interesses, medos e aspirações. Além de servir como aproximação inicial ao tema, esse levantamento auxiliou-nos a identificar as lacunas temáticas nas pesquisas existentes e indicou os pontos que precisaríamos investigar no questionário. Deste modo, a ideia é que esse levantamento permitisse traçar uma compreensão breve sobre esse grupo etário, identificar pontos de interesse e, por fim, que servisse de base para identificar lacunas que precisariam ser exploradas na nossa investigação.

A opção por recorrer a essas fontes baseou-se na hipótese de que muitos dos dados que julgávamos relevantes conhecer já haviam sido levantados por pesquisas mais amplas, de âmbito nacional, com alta amostragem. Informações sobre ambições, medos, sexualidade e hábitos referentes a consumo, uso de mídias eletrônicas e sociais já haviam sido explorados por levantamentos anteriores.  

O conjunto dessas informações constituiu parte significativa do perfil que desejávamos traçar. Assim, acessar esses dados a partir dessas pesquisas nos permitiu manter nossa pesquisa mais focada e enxuta. Sabíamos que um questionário extenso poderia ser exaustivo e isso poderia comprometer a qualidade das respostas, além do risco de reduzir o universo de questionados. O número excessivo de perguntas e o tom demasiado genérico poderiam desestimular possíveis respondentes. Assim, utilizamos o questionário para aprofundar questões concernentes a três esferas que percebemos pouco exploradas nas pesquisas consultadas: sexualidade, motivações e angústias, e preferências relacionadas às séries (temas, universos, mídias utilizadas).

Na segunda etapa metodológica, utilizamos a ferramenta do Google, ‘google docs’, para criar um questionário com 15 perguntas, que procuravam aprofundar as pistas fornecidas pelos levantamentos anteriores, conferindo-lhes especificidades que nos interessavam. Intitulado apenas de “Quem é você?”6, o questionário convidava os jovens a responder perguntas referentes ao seu universo íntimo (sexualidade, relações afetivas e angústias) e suas preferências em relação a séries e temas.  Nessa etapa, 409 jovens nos ajudaram a construir uma ideia acerca do que angustia e o que deseja, em termos de conteúdos, a juventude entre 15 e 25 anos.

Por fim, em um terceiro momento da pesquisa, realizamos rodas de conversas7 com três grupos distintos de jovens. O objetivo desses encontros foi conferir uma discursividade às informações coletadas nas etapas anteriores. Para tanto, reunimos notícias8 que ilustravam os dados expostos pelas pesquisas e propusemos um debate acerca dos temas mais pertinentes à pesquisa. Selecionamos quatro: sonhos e medos, mercado de trabalho, sexualidade e seriados. Dessa forma, apresentamos notícias com essas temáticas para desencadear a conversa com os jovens. É importante ressaltar que as notícias tinham como único propósito incitar o debate. Nesse sentido, embora o conteúdo da matéria fosse relevante, a abordagem dos temas era superficial. Por essa razão, optamos por reportagens breves, que pudessem ser compreendidas e debatidas em poucos minutos. Em todas as dinâmicas, dividimos os jovens em pequenos grupos e pedimos que lessem e discutissem o tema explicitado na notícia. Posteriormente, cada grupo apresentava sua notícia e a conversa com os demais participantes seguia a partir daí.

Uma observação importante sobre essas dinâmicas é o fato de as rodas terem “vida própria”, no sentido de que, embora a gente propusesse os temas a partir das notícias gatilhos, quem escolhia o que ia ser ressaltado ou negligenciado no debate eram os próprios participantes. Cada grupo e, em última análise, cada participante, elegeu o assunto que desejava debater a partir da notícia. Além disso, a natureza polifônica das rodas de conversa permitiu que as convergências e dissonâncias das preferências, posicionamentos e discursos fossem expostas, confrontadas e defendidas em grupo.

A consolidação das três etapas metodológicas nos permitiu conhecer os jovens pesquisados em dois aspectos, que nomeamos identitário e de consumo. O primeiro identificou os motivos de angústias e causas que mobilizam os jovens. O segundo, as preferências em relação a conteúdos e temas relacionados ao universo das séries (temas, gêneros, títulos) de modo específico.

Nesse texto, iremos privilegiar a análise dos aspectos identitários revelados na pesquisa, com foco especial nos principais anseios, medos e posicionamentos dos jovens frente a temas que julgamos relevantes nesse universo e para a pesquisa. A compreensão sobre a identidade desses jovens foi sistematizada em torno de três eixos temáticos: sonhos, trabalho e política. A observação das narrativas em torno desses temas revelou angústias em relação ao futuro profissional e o sentimento ambíguo entre a descrença e a esperança no futuro.

3 – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.
4 – Universidade Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul, Brasil.
5 – As jornadas de junho referem-se à onda de protestos que tomou o país em junho de 2013. O movimento teve como estopim o aumento das tarifas dos transportes públicos em diversas capitais do país, mas converteu-se numa ampla revolta contra as péssimas condições de vida nas cidades, contestação às arbitrariedades do governo e violações de direito pelo Estado.
6 – O questionário foi aplicado online e está disponível no link: bit.do/quemehvoce
7 – A primeira roda foi realizada em um colégio público na zona oeste da cidade, com 20 adolescentes entre 15 e 19 anos. O segundo encontro ocorreu numa universidade pública na zona sul do Rio e contou com a presença de 17 jovens entre 18 e 25 anos. A última roda foi composta por cinco jovens entre 22 e 25 anos numa instituição particular, no centro da cidade. Ao todo, conversamos com 42 jovens com perfis etários e socioeconômicos distintos.
8 – http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/11/pesquisa-mostra-que-jovens-brasileiros-querem-viajar-e-ser-feliz.html
http://f5.folha.uol.com.br/televisao/2014/09/1517327-friends-20-imortalizou-uma-juventude-que-nao-existe-mais.shtml
http://oglobo.globo.com/economia/emprego/empresas-terao-que-se-adaptar-para-reter-jovens-profissionais-da-geracao-z-13904611
http://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2014/09/1524208-a-sexualidade-e-um-assunto-que-desafia-diz-marcelo-tas-sobre-filho-transexual.shtml
Carolina Salomão Corrêa krolsalomao@gmail.com

Doutoranda em Psicologia Clínica na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. Possui graduação em Comunicação Social pela mesma instituição. É Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010). É membro-pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjetividade – GIPS.

Solange Jobim e Souza soljobim@puc-rio.br

Doutora. Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio, Brasil. Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Brasil. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjetividade – GIPS, no Departamento de Psicologia da PUC-Rio, Brasil.