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Análise da produção bibliográfica em livros sobre a infância e a juventude na América Latina: atualizações e novos horizontes

Introdução

Ao longo da última década, os campos de estudos da infância e o da juventude contribuíram, especialmente, para que as crianças e jovens não sejam apenas “sujeitos em formação para o futuro” ou “cidadãos do amanhã”, posição que lhes foi destinada pelas instituições escolares, políticas públicas e pela sociedade civil desde a modernidade. Na história recente, principalmente no âmbito das Ciências Sociais e Humanas, muitos dos esforços teóricos e metodológicos que se voltam à infância e juventude procuram trazer à luz que crianças e jovens são atores com papel significativo na construção das sociedades onde vivem e do mundo. Sob essa orientação, observa-se o aumento de pesquisas científicas de cientistas sociais na América Latina dedicadas à compreensão das realidades vividas por esses sujeitos, bem como um movimento de busca de ressignificação de seu papel e posição no mundo contemporâneo.

Tal movimento de produção propiciou o surgimento de diversos periódicos científicos latino-americanos que se dedicam aos estudos da infância e juventude. Cita-se com relevância os periódicos Última Década e Revista Infancia, Educación y Aprendizaje, do Chile; Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud e Infancias Imágenes, da Colômbia; Childhood & Philosophy, do Brasil; e a Revista Argentina de Estudios de Juventud, da Argentina. Desde 2013, o Periódico DESidades também tem por objetivo difundir publicações sobre infância e juventude no âmbito das Ciências Sociais e Humanas e se propõe, trimestralmente, a lançar artigos, entrevistas, resenhas e um levantamento de livros publicados sobre a infância e juventude latino-americanas.

No momento, destaca-se a relevância das publicações em formato de livros por sua extensão, construção, investimento e difusão de uma reflexão a longo prazo, fundamental para o desenvolvimento das Ciências Sociais e Humanas (Franchetti, 2018). Levando em consideração tal importância, o periódico DESidades publica, desde o seu lançamento, em 2013, uma lista trimestral que contempla o levantamento de obras latino-americanas das Ciências Sociais e Humanas relativas à infância e juventude publicadas no trimestre anterior. Essa realização proporciona visibilidade a temas, discussões e pesquisas que possuem circulação menos acessível, tal como a de periódicos científicos.

Segundo Menandro et al (2011), na área da Psicologia, assim como em outras áreas das Ciências Humanas, são vários os pesquisadores que ainda escoam parte importante da sua produção na forma de livros. Embora em decréscimo nos últimos anos, a importância dessa modalidade de produção acadêmica é indiscutível. Os autores trazem alguns argumentos que reforçam a visão de que livros e periódicos são igualmente importantes na veiculação de produções científicas, apesar do destaque cada vez maior que tem se dado aos periódicos. Coloca-se a questão dos limites impostos ao tamanho dos artigos, que podem forçar simplificações dos relatos de pesquisas que, quando produzidas a partir de colaboração interinstitucional, podem resultar muito mais completas e significativas quando reunidas em livro, em comparação com a publicação de diversos artigos distribuídos em diferentes periódicos.

Em 2015, Castro, Vieira, Lara, Bello e Savegnago analisaram os levantamentos bibliográficos realizados pelo Periódico DESidades no período de 2013 a 2015, da 1ª à 7ª edição. O balanço permitiu construir um olhar analítico e crítico sobre a caracterização e as tendências dessa produção, que se mostrou incipiente no contexto da América Latina. Os resultados encontrados apontaram para a pouca atratividade do mercado editorial em relação à publicação de obras científicas sobre a infância e/ou juventude, sendo o Brasil, Argentina, México e Chile os países que tiveram os maiores percentuais de obras publicadas sobre esses campos. Além disso, constatou-se que a infância e a juventude aparecem como campos eminentemente transdisciplinares, uma vez que as obras, em sua maioria, pertenciam a duas ou mais áreas das Ciências Humanas e Sociais. Naquela ocasião, a área da Educação, de forma isolada, apontou significativa prevalência na publicação de livros sobre infância e juventude. No entanto, destacou-se que os livros levantados nessa área não mencionam em seus resumos os termos “infância” e “juventude”, o que resulta na invisibilização dos sujeitos crianças, adolescentes e jovens frente à discussão dos aspectos do ensino-aprendizagem (Castro et al, 2015).

Assim como o estudo de Castro et al. (2015), outros estudos vêm empreendendo análises do estado da arte da produção do conhecimento nos campos da infância e juventude. Podemos citar o estudo de Stengel e Dayrell (2017), que analisa e sistematiza o uso das categorias “adolescência” e “juventude” na produção de teses e dissertações em Psicologia, entre os anos de 2006 e 2011, e as temáticas recorrentes. Os autores identificaram que aproximadamente 10% do total das produções trabalharam com a temática da adolescência/juventude, número que consideram significativo. Apontam também o expressivo número de categorias temáticas e, dentre essas, a grande pluralidade de subtemas presentes.

Hayashi, Hayashi e Martinez (2008), por sua vez, empreenderam um levantamento da produção científica sobre os jovens e a juventude no Brasil, a partir de dissertações e teses defendidas em programas de pós-graduação nacionais, no período de 1989 a 2006. Os autores verificaram uma expressiva produção de conhecimento nesse campo, no âmbito dos programas de pós-graduação brasileiros, majoritariamente ligada às áreas da Educação e das Ciências Sociais – incluindo Sociologia, Antropologia e Ciência Política –, e uma presença tímida de estudos vinculados à Psicologia e ao Serviço Social.

Destacamos também a pesquisa de Voltarelli (2017), que realizou um mapeamento dos estudos da infância na América do Sul a partir da perspectiva da Sociologia da Infância, considerando o período de 2010 a 2013, e as produções de autores sul-americanos hispanofalantes. A autora aponta a influência que as produções europeia e norte-americana tiveram na realização de estudos científicos nos países investigados, mas destaca que os movimentos próprios do campo podem estruturar outros caminhos para as produções e teorizações da infância no hemisfério sul, de modo que se possa aprender a partir do Sul e com o Sul.

O presente artigo trata de uma atualização do estudo anterior (Castro et al, 2015) após três anos de sua publicação. A atualização desse balanço se mostra importante, tendo em vista que mudanças sociais, culturais e políticas atravessam constantemente as preocupações e questões a serem investigadas nos campos da Infância e da Juventude. Os contornos de uma perspectiva analítica e metodológica nunca se encerram no meio científico e, portanto, a garantia de um saber sobre crianças e jovens também não. Dessa forma, o balanço atual, que se dedica ao trabalho realizado pelo próprio periódico ao longo de 2015 a 2018, é uma contribuição que aponta e avalia o que, como e quem tem publicado em livros nos campos da infância, adolescência e juventude na América Latina.

Metodologia

A análise do balanço empreendido neste artigo se voltou para os dados dos levantamentos bibliográficos1 publicados na revista DESidades no período de setembro de 2015 a março de 2018, da 8ª à 18ª edição do Periódico. O recorte foi estabelecido de modo a dar continuidade à análise da produção bibliográfica em livros sobre a infância e a juventude na América Latina realizada em artigo anterior (Castro et al, 2015). A periodicidade dos levantamentos utilizados nesta análise foi trimestral, seguindo a publicação de cada edição da revista, que conta com quatro edições ao longo de um ano, e com uma equipe de assistentes2 que trabalhou para a realização das buscas.

O trabalho empreendido por essa equipe se debruçou ao longo dessas onze edições em uma listagem de editoras de língua portuguesa e espanhola da América Latina e seus respectivos sites eletrônicos. A composição da lista de editoras se deu a partir de buscas virtuais em associações de editoras e presenciais, em livrarias brasileiras.

Na 8ª edição do levantamento bibliográfico, contou-se com uma listagem de 99 editoras brasileiras e 254 editoras de outros países latino-americanos, distribuídas da seguinte forma: Argentina (92 editoras); Bolívia (2 editoras); Chile (23 editoras); Colômbia (6 editoras); Costa Rica (3 editoras); Cuba (10 editoras); Guatemala (4 editoras); México (44 editoras); Nicarágua (1 editora); Paraguai (20 editoras); Peru (30 editoras); Uruguai (10 editoras) e Venezuela (2 editoras).

Já na 18ª edição, a listagem contemplou 131 editoras brasileiras e 180 editoras de outros países da América Latina: Argentina (40 editoras); Bolívia (2 editoras); Chile (18 editoras); Colômbia (14 editoras); Costa Rica (8 editoras); Cuba (8 editoras); Guatemala (4 editoras); México (48 editoras); Nicarágua (1 editora); Paraguai (13 editoras); Peru (17 editoras) e Uruguai (7 editoras).

Nota-se que o número total de editoras incluídas na tabela de trabalho da equipe variou ao longo das 11 edições. As editoras de língua espanhola, especialmente as da Argentina, tiveram seu número reduzido e as brasileiras, aumentado. No que tange às de língua espanhola, essa redução ocorreu, pois a equipe observou que muitas das buscas em diversos sites eletrônicos estavam sendo improdutivas, isto é, não ofereciam nenhuma obra que pudesse ser incluída no levantamento bibliográfico. Dessa forma, foram retiradas da listagem as editoras que não tinham nenhum lançamento de publicação sobre infância e/ou juventude há mais de dois anos, as que possuíam sites desativados e as que não tinham publicado até o momento nenhuma obra que envolvesse temáticas relativas à infância e a juventude na área das Ciências Humanas e Sociais.

Concomitantemente ao filtro realizado, que gerou a redução de editoras de língua espanhola, a equipe, ao longo das edições, também se dedicou a encontrar novas editoras que pudessem fazer parte da listagem de trabalho. Por ter um acesso mais direto às associações de editoras, eventos literários e livrarias provenientes do Brasil, acredita-se que foi mais fácil para a equipe incluir editoras brasileiras na listagem final do que editoras de outros países latino-americanos. Tal diferenciação revela a dificuldade com que a equipe se deparou nas buscas por editoras que não fossem brasileiras e que fossem compatíveis com os critérios estabelecidos pela equipe da DESidades. A comparação do número de obras encontradas por país nos sites das editoras se revelou discrepante, sendo o Brasil o país que obteve o maior número das produções levantadas, 53,4% do total.

Assim como na análise empreendida até a 7ª edição da revista (Castro et al, 2015), as 11 edições que se sucederam também foram atravessadas por dificuldades referentes às informações sobre as obras anunciadas nos sites das editoras. Destaca-se, por exemplo, que muitos sites não disponibilizam todas as informações sobre a publicação, tendo a equipe que recorrer a buscas paralelas em outros sites ou no currículo dos autores para descobri-las. O mês de lançamento da obra continuou a ser a informação mais difícil de ser encontrada, pois a maioria dos sites informa somente o ano de lançamento. O contato com os sites eletrônicos das editoras evidenciou que tais endereços eletrônicos são pouco funcionais, pois a maioria não é muito clara ou didática para quem o está consultando.

Para esse balanço, as autoras do presente artigo classificaram as obras levantadas nas 11 edições em uma tabela com as seguintes informações: título da obra; autores; instituição dos autores; editora; país da editora; cidade da editora; tipo de editora (comercial, universitária ou institucional); tipo de publicação (coletânea ou não-coletânea); área de conhecimento da obra; campo da obra (infância, adolescência, juventude, suas respectivas combinações, além de obras com campo não-declarado); temática e subtemática da obra. A partir dessa sistematização, apresentamos as análises, resultados e discussões que se seguem abaixo.

1 – A busca por potenciais obras a serem incluídas na lista publicada trimestralmente foi realizada através de palavras-chave no campo de pesquisa dos sites eletrônicos. Palavras como infância; juventude; crianças; jovens; adolescência; adolescentes foram utilizadas nesse procedimento. Também se consultava o campo de lançamentos de cada site eletrônico das editoras, porém, esse recurso nem sempre estava disponível. Destaca-se também que não bastava as obras informarem em seus títulos que se dedicavam a temas relativos à infância e juventude. Foi necessário conferir se essas obras continham todas as informações editoriais publicadas no site da revista, como a autoria, o ISBN, o número de páginas, o ano e o mês de publicação, o seu resumo, a cidade de origem da editora e se o seu lançamento correspondia ao período de três meses da edição do Periódico. Tendo passado por esse filtro, o conteúdo do resumo da obra foi lido e analisado pela equipe, que elegeu ou não a obra como parte da listagem final a ser divulgada no Periódico. Essas obras são resultado de pesquisa científica, ou de reflexão teórica ou metodológica. Excluem-se, portanto, manuais didáticos, pedagógicos, literatura infantil ou juvenil, e especificidades religiosas ou médicas.2 – Agradecemos à equipe de assistentes que compôs este trabalho ao longo das onze edições analisadas neste artigo: Arthur José Vianna Brito, Clara Cascão, Hannah Quaresma Magalhães, Isa Kaplan Vieira, Luciana Mestre, Maria Luiza Vianna Werneck Pereira, Matheus Ferreira Apolinário, Paula Pimentel Tumolo, Priscila Gomes e Yuri do Carmo.

Juliana Siqueira de Lara j.siq.lara@gmail.com

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Mestra em Psicologia pelo mesmo Programa e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ), Brasil. Atua como Editora Assistente no periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Luísa Prudêncio luisaevieira@gmail.com

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ), Brasil. Atua como Editora Assistente no periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Paula Pimentel Tumolo paulatumolo@gmail.com

Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Graduada em Psicologia pela mesma instituição. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ), Brasil. Atua como Editora Assistente no periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Renata Tavares da Silva Guimarães retsg.ufrj@gmail.com

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Mestra e graduada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ), Brasil. Atua como Editora Assistente no periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Sabrina Dal Ongaro Savegnago sabrinadsavegnago@gmail.com

Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil, e graduada em Psicologia pela mesma instituição. Desde 2014, atua como Editora Associada no periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Sofia Hengen sofiahengen@hotmail.com

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Graduada em Psicologia pela Universidad del Salvador, Argentina. Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ), Brasil. Atua como Editora Assistente no periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.

Lucia Rabello de Castro lrcastro@infolink.com.br

Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Editora Chefe do periódico DESidades – Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Infância e Juventude.