Resultados e discussão
A partir da consolidação dessa tabela, buscou-se compreender algumas ocorrências advindas da classificação e observação do material coletado. Das diversas e possíveis óticas analíticas, optou-se, primeiramente, por destacar e refletir sobre o número total de obras levantadas por edição da revista DESidades, sobre o número de publicações por editoras latino-americanas de língua portuguesa e de língua espanhola, bem como por tipo de editora, se institucional, universitária ou comercial. Seguimos a análise com a incidência de coletâneas dentre as obras levantadas. Assim, buscamos traçar um panorama geral do Levantamento Bibliográfico realizado pela revista nas onze edições a que esse artigo se refere.
Posteriormente, aprofundamos nossa análise a partir da caracterização dessas obras levantadas conforme seus campos, áreas, temáticas e subtemáticas. Em relação às temáticas em que foram divididas as obras, duas concentraram a maioria dos títulos – Educação e Infâncias e/ou Juventude e Cultura. Portanto, optamos por destacá-las e analisá-las a partir de uma avaliação de suas subtemáticas. A última parte de nossa análise se refere à filiação institucional dos autores das obras levantadas.
A discussão de resultados será trabalhada a partir da análise de gráficos, visando à compreensão sobre quais campos, áreas, temáticas e interfaces têm se destacado na produção bibliográfica latino-americana sobre infância e juventude nas áreas humanas e sociais.
Figura 1: Número de obras publicadas por edição
Nesta figura, é possível verificar o número total de obras levantadas por edição e fazer, a partir daí, alguns questionamentos. Desde a oitava edição, o número varia de forma irregular, com um pico significativo da 8ª para a 9ª edição. A partir daí, há uma diminuição gradativa até a 15a edição, e um aumento isolado na 16ª. Porém, no total de 294 obras em um intervalo de quase 3 anos, pode-se perceber um decréscimo no número de obras levantadas. Esse fato poderia indicar uma baixa na produção editorial devido a um menor interesse pelos temas da infância e da juventude? É difícil fazer essa correlação direta, pois outras variáveis podem estar implicadas, como o contexto econômico e político dos últimos 3 anos, por exemplo. Ainda assim, essa pergunta já indica uma inquietação sobre a ausência relativa desses campos de saber na produção bibliográfica dos países latino-americanos.
Figura 2: Número de publicações por editora
É interessante perceber que a figura 2 mostra uma concentração significativa de publicações em uma editora. Essa editora publicou 54 no total de 294 obras, enquanto as demais apresentam um baixo volume no total de publicações: 112 editoras tiveram até 4 obras publicadas; 1 editora com 10; outra com 13 publicações e 8 editoras tiveram entre 5 e 9 publicações. Esse ponto é relevante para pensarmos o interesse e o investimento na produção bibliográfica sobre a infância e a juventude.
As editoras com maior índice de publicação são a CRV, 54 obras, e a Noveduc, 13 obras, ambas comerciais e localizadas respectivamente no Paraná, Brasil e em Buenos Aires, Argentina. Fundada em 2007, a CRV é uma editora comercial voltada à produção científica, principalmente do Brasil. Em seu site eletrônico, contabilizam-se diversas instituições públicas de ensino às quais a empresa presta serviço3.
Já a editora argentina, Noveduc, conforme informa o seu site, tem como foco a produção científica referente à educação e outras áreas que se entrelaçam, como saúde e psicologia. O público alvo da empresa, assim como o da editora anterior, extrapola o mundo acadêmico e destina-se a professores do ensino escolar, como também a trabalhadores sociais4.
Ao analisarmos os temas dos livros sobre infância e juventude publicados pela editora CRV e levantados no período em questão, as temáticas em educação se destacaram, representando 81,5% das obras. Em relação à editora Noveduc, 69,2% dos títulos sobre infância e juventude referem-se a temáticas em educação.
Em relação às editoras universitárias, destacam-se a EdUFSCar e a EDUFBA, ambas pertencentes a Universidades Federais brasileiras, apresentando um total de seis e cinco publicações, respectivamente. A primeira localiza-se em São Carlos, São Paulo, e foi fundada em 1993. Ela publicou mais de 350 livros e materiais didáticos de diversas áreas e temáticas, ganhou 6 prêmios Jabutis5 e obteve reconhecimentos importantes da Câmara Brasileira do Livro (CBL), bem como de outras associações literárias6. Lançada no mesmo ano, a EDUFBA já publicou mais de 800 títulos em múltiplas áreas do conhecimento, com distribuição interna e externa à instituição de ensino a qual faz parte7.
Segundo Franchetti (2018), o questionamento sobre “por que devem existir editoras universitárias?”, e mais especificamente, “por que devem existir editoras universitárias vinculadas a universidades públicas?”, é apresentado por gestores públicos e pela rede comercial de produção, divulgação e venda de livros. A resposta a essas questões tem urgência, sobretudo no âmbito das universidades públicas, principalmente no momento atual, quando as verbas de custeio e investimento tornam-se mais escassas. O autor enfatiza a importância das editoras universitárias, baseando-se na finalidade acadêmica destas, em contraponto ao retorno financeiro que é esperado pelas editoras comerciais. Ao passo que as primeiras baseiam-se na expansão e no fortalecimento de campos de saber, apostando, muitas vezes, em perspectivas ainda em formação, assim como no impacto e na relevância científica da produção a ser propagada, as segundas priorizam o retorno financeiro do investimento.
Por isso, ressaltamos a atuação da EDUFBA e da EdUFSCar como editoras universitárias que se destacaram pelo volume de publicação e, ao mesmo tempo, chamamos atenção para a diferença significativa entre o número de publicações destas e das editoras comerciais, no intento de levantar a questão do investimento público injetado na publicação de livros:
Figura 3: Número de publicações segundo o tipo de editora
Em relação ao número de títulos publicados por tipo de editora, a maioria das obras, 69,4%, sobre infância e juventude levantadas no período analisado foi publicada por editoras comerciais, 25,5% por editoras universitárias e 5,1% por editoras institucionais. Classificamos como editoras institucionais aquelas ligadas a instituições não-universitárias, como conselhos, organizações não-governamentais e fundações. Dentre as editoras institucionais, destacou-se a editora internacional CLACSO – Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, com 9 publicações (60% das obras publicadas por editoras institucionais), sendo 6 dessas 9 obras lançadas pela CLACSO Argentina, 2 pela CLACSO Colômbia e 1 pela CLACSO Equador. Outra editora institucional que apareceu com frequência em nossas buscas foi a UNESCO, com livros que se dedicavam a discutir e informar, principalmente, sobre temáticas relacionadas à infância, juventude e direitos humanos.
Nota-se, a partir das figuras 2 e 3, um número menor de publicação de obras nos campos da infância e juventude de editoras universitárias em comparação com as comerciais. No entanto, é importante lembrar que a editora com maior volume de publicações dentre os levantamentos, a CRV, é comercial, e sua inclusão infla consideravelmente a categoria nesta análise. Mesmo com 14 anos a menos de existência que a EdUFSCar e que a EDUFBA, a CRV hoje apresenta um volume de publicação 9 vezes maior que essas. Cabe aqui problematizar o fato de que autores acadêmicos dedicados aos campos da infância e juventude publicam com maior frequência em editoras comerciais, em detrimento de universitárias; e, ainda, o papel que caberia às editoras universitárias para a construção e disseminação de conhecimento científico desses campos.
Podemos especular que seja mais fácil, mesmo para autores vinculados às Universidades, publicar suas obras a partir de editoras comerciais. É possível que haja, em muitas universidades, um investimento menor do que o necessário para o escoamento das produções acadêmicas. Também é importante notar que editoras comerciais possuem plataformas de acesso e divulgação ao público mais amplas e acessíveis do que as editoras universitárias.
Na figura 4, interessou-nos verificar a distribuição de obras levantadas de acordo com a caracterização coletânea/não-coletânea. Consideramos como coletânea a compilação de diferentes textos e autores em uma única obra:
Figura 4: Distribuição da frequência de títulos publicados segundo o tipo de publicação
Destaca-se que, das 294 publicações computadas nos levantamentos bibliográficos, 56,5% não são coletâneas. Ainda que a maioria das obras levantadas seja de livros escritos integralmente por um ou mais autores, a quantidade de coletâneas é bastante elevada. Como discutido em Castro et al (2015), o formato de livro inteiro permite que os autores possam explorar seus temas de forma mais extensa, em relação aos artigos publicados em revistas periódicas. Por sua vez, a forma de coletânea, que aglutina vários autores em torno de uma mesma temática, nem sempre alcança uma organicidade do conjunto, ainda que tenha a vantagem de reunir várias perspectivas autorais diferentes.
A figura 5 mostra a distribuição das publicações de acordo com os campos Juventude, Infância e Adolescência e suas respectivas combinações. Tais campos foram determinados de acordo com as informações dadas nos títulos, resumos e sumários das publicações. As obras sem campo declarado se referem àquelas que não mencionavam os termos “crianças”, “adolescentes” e “jovens” em seus títulos, resumos ou sumários.
Figura 5: Distribuição da frequência de títulos publicados segundo o campo
A maior parte das obras foi categorizada como não tendo mencionado, em seus títulos e resumos, a infância, adolescência ou juventude como objeto direto da publicação – 42,2% do número total de publicações levantadas. Com isso, queremos dizer que tais resumos não se referem explicitamente às crianças, adolescentes e jovens como objeto de seu interesse e análise, sem mencionar, portanto, essas palavras como descritoras da obra publicada. Entretanto, essas obras foram incluídas nos levantamentos realizados pela revista a partir de determinadas palavras-chave e temáticas apresentadas em seus resumos que tangenciam a vida das crianças, adolescentes e jovens, tais como “educação”, “escola”, “sala de aula”, “estudantes”, “brincadeira”. A decisão de incluir tais obras se deu pela relevância dessas discussões para o campo da infância, adolescência e juventude. Nesse sentido, chama a atenção que o maior número percentual de obras levantadas se enquadra justamente nessa configuração: a de obras cuja abordagem incide sobre a vida de crianças, adolescentes e jovens, sem considerar a importância de mencionar esses sujeitos explicitamente.
Já os resumos das obras que mencionam explicitamente tais sujeitos se distribuíram da seguinte forma: o campo Juventude contou com 19,7% do total de obras; o campo Infância aparece logo em seguida, com 19% desse total; e o campo Adolescência, com 5,1% do total. Muitas obras declararam em seu resumo que tratavam de mais de um campo e geraram as combinações a seguir: Infância, Adolescência e Juventude apareceu declarada em 3,4% das obras; Infância e Juventude, em 4,1%; e Infância e Adolescência, em 4,8%. Destaca-se que a soma dos campos combinados, 14% do total, é uma porcentagem alta e próxima à porcentagem dos campos isolados vistos anteriormente. Essa aproximação revela que infância, adolescência e juventude não aparecem apenas como campos singulares, mas também se apresentam reunidos em um campo mais abrangente.
A figura 6 traz a distribuição das publicações por área de conhecimento. A categorização foi realizada por áreas isoladas e combinadas. Assim, a área de conhecimento da obra foi classificada, primeiramente, a partir da informação da própria editora. Na maioria dos casos, entretanto, essa informação não era declarada, cabendo às autoras do presente artigo a realização da classificação, segundo o conteúdo do resumo da obra e seu sumário e/ou área de formação e atuação do(s) autor(es).
A classificação realizada seguiu a Tabela de áreas do Conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do CNPq/Brasil8. Entretanto, pareceu-nos relevante o acréscimo da área nomeada como Psicanálise como área específica e não subposta à Psicologia. Além disso, incorporamos à categoria Ciências Sociais as obras que se referiam às áreas de Sociologia, Antropologia ou Ciência Política. As áreas combinadas foram divididas em Interdisciplinar, Educação e outras, Psicologia e outras, Educação e Psicologia e Outras combinações. As áreas da Educação e da Psicologia apareceram combinadas com diversas outras áreas do conhecimento. Escolhemos agrupá-las em categorias distintas por conta da pouca representatividade quantitativa de cada uma dessas combinações. Já a combinação entre as áreas da Psicologia e da Educação foi isolada em uma categoria por conta de seu número elevado de publicações. A categoria Outras combinações se refere a combinações entre duas áreas de conhecimento além dessas já citadas. Por fim, a categoria Interdisciplinar se refere a três ou mais áreas de conhecimento.
Figura 6: Número absoluto de publicações segundo a área
A Educação desponta como a categoria com maior percentual de obras, 36,1%. Essa tendência é corroborada com o que se encontrou na análise realizada por Castro et al., em 2015. A seguir, a área de Ciências Sociais contempla 13,3% das obras levantadas. Já a categoria Interdisciplinar e a categoria Educação e outras áreas incluem 11,9% e 9,2% das obras, respectivamente. Observa-se que há um número significativo de publicações, representando 33,7% das obras que foram categorizadas enquanto pertencentes a duas áreas ou mais de conhecimento, nas categorias: Interdisciplinar; Educação e outras áreas; Outras combinações; Educação e Psicologia e Psicologia e outras áreas. Portanto, verificamos que há um número significativo de obras que não se limitam a uma área de conhecimento isolada.
4 – NOVEDUC. Quiénes Somos, 2018. Disponível em: <https://www.noveduc.com/quienes_somos/>. Acesso em: 27 fev. 2019.
5 – Jabuti é um prêmio brasileiro de literatura que, há 60 anos, premia autores nacionais.
6 – EdUFSCar. A editora, 2019. Disponível em: <http://www.edufscar.com.br/a-editora>. Acesso em: 27 fev. 2019.
7 – EDUFBA. A editora, 2019. Disponível em: <http://www.edufba.ufba.br/a-editora/>. Acesso em: 27 fev. 2019.
8 – Disponível em: <http://www.cnpq.br/documents/10157/186158/TabeladeAreasdoConhecimento.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2019