Por que é relevante o estudo das práticas que realizam os jovens das comunidades indígenas da Sierra Central do Equador? Como se constrói a categoria juventude indígena neste contexto e que condições possibilitam sua existência? Quem são estes/estas jovens indígenas e como processam a ‘questão política’ em suas práticas sociocomunitárias? Estas questões, que organizam a discussão que pretendemos desenvolver aqui, estão presentes nos distintos campos considerados na pesquisa de base sobre a qual se desenvolve este artigo.
Nesse sentido, e levando em conta que este trabalho não esgota as possibilidades analíticas e explicativas sobre o objeto de pesquisa, apresentaremos um breve compêndio dos eixos teórico-conceituais e metodológicos que atravessam a pesquisa “Práticas socioculturais de jovens indígenas na Sierra Central do Equador”, assim como uma seção dos principais resultados referentes a tais interrogantes. Propõe-se, basicamente, abrir linhas de debate em torno de algumas dimensões que configuram aquilo que, provisoriamente, se denominará práticas socioculturais de jovens indígenas em contextos de mudanças e transformações socioestatais, como acontece no caso equatoriano. Este artigo apresenta o estudo sobre a categoria juventude indígena no contexto de transformações do Equador, a partir de 1970, e, especificamente, depois do ano de 2006.
Desse modo, interessa examinar a noção de ‘juventude indígena’ como categoria emergente perante a visibilidade cada vez mais nítida dos/das jovens nas dinâmicas da comunidade indígena e na própria ‘sociedade urbana’, como resultado de uma série de processos diretamente vinculados ao trabalho, ao problema da terra e da educação, entre outros. Processos aos quais se vai agregar, em função das reconfigurações socioestatais atuais, o tema da mudança geracional no campo da política1.
A categoria ‘juventude indígena’, por conseguinte, não se constrói nem opera no vazio, é produto das complexas interações ocorridas e em curso no interior das comunidades e organizações indígenas, assim como entre estas e outros atores.
Por isso, para indagar sobre a questão de quem são os/as jovens indígenas é que se escolheu, nesta pesquisa, a via conceitual e metodológica das ‘práticas’ (Bourdieu, 1999; 2007), marcando-se uma distância em relação a determinados enfoques que partem de um suposto reconhecimento, atribuindo, ‘a priori’, atributos ou características indentitárias para definir o jovem indígena, sem que, previamente, se tenha estudado suas práticas em campos específicos.
Levando em conta estudos prévios sobre a comunidade andina, consideraram-se vários campos de indagação: família, comunidade, escola, trabalho, política, religião e festa. Neste artigo se expõe uma breve síntese de resultados de pesquisa de vários destes campos, cujas dinâmicas, vale mencionar desde o início, reproduzem-se mediante ‘habitus’ estreitamente vinculados entre si. Os campos produzem práticas e são, ao mesmo tempo, produtos de práticas; nessa relação os agentes (re)-produzem e põem em tensão habitus instituídos e habitus instituintes (Bourdieu, 2007). No caso da comunidade indígena andina, é fundamental ter em conta este complexo jogo de disposições, considerando, sobretudo, os processos de transição sociocultural em que se encontra a comunidade atualmente.
Nesta parte introdutória, vale a pena assinalar uma necessária cautela referente ao caráter equivocado ou, ao menos, problemático, sobre o uso e sentido do termo ‘indígena’ atualmente, quando os povos e nacionalidades reclamam para si o reconhecimento como povos e nacionalidades com uma denominação própria (Puruhahes, Panzaleos, Chibuleos, Cañaris, Shuar, por mencionar alguns) que designa suas origens e ancestrais (Unda y Muñoz, 2011).
Não obstante, e dado que em múltiplas interações que se desenvolvem no âmbito público, na dinâmica sociopolítica e na vida comunitária, a palavra indígena adquire uma potência histórica e identitária determinante, apresentando, além disso, amplas possibilidades práticas de identificação dos povos e nacionalidades originárias, neste artigo se utiliza a palavra indígena para designar os sujeitos jovens que desenvolvem determinadas práticas de (re)-produção sociocomunitária no contexto da sociedade e da estrutura comunal2.
2 – É pertinente lembrar aqui uma distinção muito concisa, mas importante, realizada por J. Sánchez-Parga (2001), entre o comunitário e o comunal, distinção segundo a qual o comunitário faz referência às práticas centradas no espaço do “nós”, onde não tem sentido o individual como possibilidade de reprodução dessa sociedade; e o comunal, nesta perspectiva, refere-se à estrutura política e administrativa que adota a vida comunitária em relação ao Estado.