Foto: Nicolas Alejandro

“Somos muitos, somos diversos e aqui estamos cruzando fronteiras”. Reflexões sobre a compreensão dos processos migratórios juvenis.

O enfoque transnacional das migrações. Um trabalho de campo multissituado

Pesquisas realizadas com jovens migrantes nas últimas duas décadas nos conduzem necessariamente a propor superar o enfoque assimilacionista da migração – que continua a centrar-se no estudo das migrações sul-norte e prestou pouca atenção aos movimentos intrarregionais sul-sul (Echeverri, 2016) –, para incorporar metodologicamente o enfoque transnacional das migrações. São poucos os estudos que dão conta dos fatores e condições dos países de origem, quando se trata dos jovens que migram. Ainda que existam estudos sobre crianças e jovens latino-americanos que aportam elementos sobre a dimensão transnacional das trajetórias e estratégias juvenis, com um trabalho de campo multissituado quanto à origem e destino (Pedone, 2006, 2010; Echeverri, 2010, 2014, 2016), as pesquisas não são feitas desde esta perspectiva.

Não podemos esquecer que a população juvenil não rompe seus laços com sua origem e que as condições sociais, culturais, políticas e econômicas de seus contextos migratórios particulares estão influenciando de modo determinante suas trajetórias e as formas como negociam suas afiliações identitárias. Assim, é fundamental compreender seus projetos migratórios dentro de um trabalho de campo multissituado origem/destino(s), que, interconectados através das redes dos que se vão e dos que ficam, nos permitam comparar as experiências dos migrantes e dos não migrantes.

A incorporação dos/das jovens migrantes nos países de destino e as conexões transnacionais com seu país de origem ou com redes dispersas de familiares, conterrâneos ou pessoas com as quais compartilham uma identidade podem acontecer ao mesmo tempo e se reforçar entre si, em um processo simultâneo (Levitt; Glick Schiller, 2004; Echeverri, 2010). Neste sentido, por exemplo, para o caso dos/das jovens colombianos(as) migrantes na Espanha, o contexto de origem – um conflito armado e múltiplas violências que operam há mais de cinco décadas na Colômbia – apresenta-se como um fator particularmente relevante na hora de tomar as decisões de migrar e não voltar (Echeverri, 2010).

Assim, os trabalhos de campo multissituados e a compreensão dos espaços sociais transnacionais fazem com que se tornem obsoletas as categorias acadêmicas e políticas baseadas em um único território, bem como as categorias hegemônicas sobre identidade, que usualmente esquecem que as identificações são fluidas, múltiplas, mutáveis e contextualizadas (Echeverri, 2010), e que geram, por sua vez, uma consciência multiterritorial (Vertovec, 2004).

Assim, a perspectiva transnacional das migrações nos permite dar um giro analítico e devolver aos/às jovens essa multiplicidade e diversidade de trajetórias presentes na sua vida cotidiana. Trazemos o conceito de “jovens em migração” ou “jovens migrantes”, que permite levar em conta de uma forma ampla, mas rigorosa, um conjunto de dinâmicas muito diversas: jovens que viajam por si mesmos de forma autônoma ou como parte de uma migração familiar, aqueles que ficam encarregados dos familiares no local de origem, os que vão para estudar (qualificados), os que fogem forçadamente, os que não migram. Dinâmicas migratórias que, em todo caso, estão determinadas pelo que acontece e segue acontecendo em seus locais de origem.

Os processos identitários da população juvenil em migração são múltiplos e móveis. Uma proposta metodológica longitudinal

Propõe-se assim, uma metodologia multissituada e longitudinal que permita visibilizar como os processos migratórios – e com eles as narrativas, identificações e os processos de inclusão/exclusão nas sociedades de origem e de destino – seguem complexos e diversos percursos, nem sempre predizíveis a partir de uma única informação. Como exposto nos trabalhos realizados com jovens colombianos migrantes nas últimas duas décadas, os posicionamentos identitários são processos dinâmicos, nos quais as identificações, vínculos e práticas transnacionais têm altos e baixos, ligam-se e desligam-se, movem-se e reconstroem-se de acordo com dinâmicas contextuais, estruturais e simbólicas particulares (Echeverri, 2005, 2010, 2014). Como informado por Levitt e Glick Schiller (2004), o estudo longitudinal das práticas dos/das migrantes mostra que, em momentos de crise ou oportunidade, mesmo aqueles que nunca se identificaram ou participaram transnacionalmente, podem se mobilizar. Como assinalado por Terrem (2002), as categorias identitárias etnonacionais e/ou supranacionais quanto às migrações, mais do que artifícios analíticos construídos, são consideradas fórmulas ‘esclerotizantes’ do determinismo cultural e social dos atores em jogo e com elas buscam-se elaborar discursos sobre as identidades juvenis migrantes com base em metáforas e imagens de ruptura, choque ou perda (Suárez, 2004; Echeverri, 2005, 2010). No entanto, suas afiliações identitárias mudam, são múltiplas, híbridas, situadas, operam simultaneamente e se nutrem de discursos construídos transnacionalmente, sendo estéril seguir buscando a “identidade” – única e essencial – dos/das jovens migrantes para determinar se estão “mais ou menos integrados” nas sociedades de destino. Suas identificações se reconstroem em dinâmicas permanentes, como resultado de um processo de interação de diversos elementos: contextos políticos, econômicos, culturais e sociais de origem e de destino em relação, que se ancoram e subjetivam na vivência simultânea do passado, presente e futuro. “Aqui” e “lá” são duas faces do mesmo processo, que se confundem e se misturam para produzir algo novo, em uma relação espaço-temporal que perdemos de vista na maioria das vezes.

María Margarita Echeverri Buriticá mariamargaritaecheverri@gmail.com

Doutora em Ciências Políticas e Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid, mestre em Psicologia Comunitária e psicóloga da Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá, Colômbia. Tem se dedicado à pesquisa, docência e gestão de projetos sociais com população migrante colombiana. Especialista no tema identidades e migrações, com especial ênfase no estudo da população juvenil. Atualmente atua como professora e pesquisadora associada da Faculdade de Psicologia da Pontificia Universidad Javeriana. É membro-fundadora do Grupo Interdisciplinario de Investigador@s Migrantes (GIIM).