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Tornar-se adolescente: o corpo como cenário

Reflexões finais

Crescer numa época em que prevalece a diversidade de combinatórias de aproximação à iniciação sexual alterou os modos de se entrar em contato sensualmente entre eles. Enfatizam e até ostentam a inédita possibilidade de não precisar fixar uma única posição de gênero. E, frequentemente, vão testando, por tentativas, explorando com naturalidade variáveis sem necessidade de se etiquetar a priori em nenhuma. Como se os adolescentes com suas experiências sexuais buscassem hoje “desfazer o gênero”, parafraseando Judith Butler (2006).

Esforçam-se em tomar distância das categorias clássicas masculino-feminino, ativo-passivo, homo-hétero, tentando contornar as opções consagradas. M. Blanchot (1996/1969), na “escrita do neutro”, expõe que o neutro é um modo de acolher o desconhecido inatingível, sem confiná-lo ao conhecido. Talvez, o neutro crie uma astúcia para aprender a desconhecer o conhecido e, neste sentido, é que o neutro, essa paixão do “nem”, atrai especialmente os mais jovens.

A variação traz também paradoxos que mexem com nossas próprias conceitualizações. Hoje, adicionaria uma nova hipótese: o corpo adolescente, talvez, encarnou no último tempo esse efeito de desenraizamento, produto de uma ruptura da comunidade social (Méndez, 2014). O sentimento de ausência de sentidos coletivos poderia ter incidido na fetichização do cenário corporal que tanto nos impacta e muitas vezes preocupa os adolescentes. Nesta direção, paradoxalmente, o despertar da luta feminina contra a violência de gênero tem convocado a atenção e participação comprometida dos adolescentes. Uma posição ativa na defesa das mulheres dos seus próprios corpos está ajudando-as a tomar consciência do valor do cuidado de si. E, por outra parte, esse terremoto tem sacudido significativamente os meninos em seus comportamentos machistas, próprios de uma cultura que os têm auspiciado impunemente.

As vozes começam a se escutar, começam a somar. Com compromisso solidário, fazendo parte de um coletivo de mulheres que clama em definitivo pelos direitos humanos, os adolescentes se somaram ao repúdio social. “Até onde pode um corpo?” ganhou protagonismo como luta contra o maltrato, o atropelo e o descuido tanto do outro como do próprio corpo.

Referências Bibliográficas

 

BLANCHOT, M. El dialogo inconcluso. Venezuela: Monte Ávila Editores, 1996 (Original de 1969).

BUTLER, J. Deshacer el Género. Espanha: Paidos, 2006.

MAUER, S. K. de. Sexualidades itinerantes en la adolescencia. Controversias en Psicoanálisis de Niños y Adolescentes, n. 14, 2014.

MAUER, S. K. de; MAY, N. Cortarse sólo: acerca de las autolesiones en la piel. Revista Controversias on line, n. 16, 2015.

MÉNDEZ, M. L. Procesos de subjetivación. Ensayos entre Antropología y Educación. Entre Ríos: Fundación La Hendija, 2014.

SIMONDON, G. Los niveles sucesivos de individuación: vital, psíquico, transindividual. In: La individuación a la luz de las nociones de forma y de información. Buenos Aires: Editora Cactus, 2009.

Resumo

Proponho-me a fazer algumas reflexões que surgem da prática clínica psicanalítica, focando-me em como se viabiliza o contato com os corpos e como vivem a sexualidade entre adolescentes. Como se vinculam? Como se expõem? Como se sintomatizam? Os espelhos de hoje são, sobretudo, as representações que circulam pelas redes sociais. Conquistar visibilidade, exibindo para ser suportado pelo olhar do outro, é atualmente condição de existência. Corpos produzidos, manipulados, exibidos, buscando reconhecimento, são alguns dos imperativos predominantes desde a puberdade. Sugiro uma nova hipótese: o corpo adolescente, talvez, encarnou no último tempo esse efeito de desenraizamento, produto de uma ruptura da comunidade social. O sentimento de ausência de sentidos coletivos poderia ter incidido na fetichização do cenário corporal que tanto nos impacta e muitas vezes preocupa os adolescentes. Nesta direção, paradoxalmente, o despertar da luta feminina contra a violência de gênero tem convocado a atenção e participação comprometida dos adolescentes.

Palavras-chave: adolescência, self cutting syndrome, anorexia, automutilação, sexualidade adolescente.

Abstract

I set forth to make a few considerations, which emerge from psychoanalytic clinical practice, on how physical contact occurs and how adolescents experience sexuality. How do they bond? How do they expose themselves? How do they somatize? Today’s mirrors are, above all, the representations circulating through social media. Conquering visibility and exposing oneself in order to be validated by the gaze of others is a contemporary condition of existence. Bodies that are produced, manipulated, exhibited, and seek recognition are some of the imperatives prevalent since puberty. I suggest a new hypothesis: the adolescent body has, perhaps, lately incarnated this uprooting as a product of a rupture in the social community. The feeling of lack of collective meaning could have precipitated the fetishism of the body that impacts us and worries teenagers so much of the time. Still, paradoxically, the awakening of the female struggle against gender violence has been summoning the attention and committed participation of teens.

Keywords: adolescence, self-cutting syndrome, anorexia, self-harm,

adolescent sexuality.

Data de recebimento: 09/11/2018

Data de aprovação: 31/01/2019

Susana Kuras Mauer susimauer@gmail.com

Psicóloga pela Universidad de Buenos Aires (UBA), Argentina. Membro titular em Função Didática e especialista em Infância e Adolescência da Asociación Psicoanalítica Internacional e da Asociación Psicoanalítica de Buenos Aires (APdeBA). Professora Titular do Mestrado de Casal e Família no Instituto Universitario de Salud Mental – IUSAM, Argentina.