Como, quando, onde e com quem a pesquisa foi realizada.
A pesquisa foi realizada em duas cidades do Sudeste do Brasil, uma de porte grande (com aproximadamente 6 milhões e meio de habitantes) e outra de porte pequeno (com aproximadamente 70 mil) – a qual se destaca na região por sua atividade mineradora, turística e pela vida universitária. O critério para a seleção dos participantes considerou a intimidade deles com o campo da infância – os debates no âmbito dos direitos da criança, como também o conhecimento e a experiência dos participantes no cuidado ofertado profissionalmente a essa geração. Sendo assim, os participantes foram escolhidos de modo a contemplar tanto sujeitos que trabalham com crianças como sujeitos que não trabalham com crianças.
Contamos com a participação de adultos divididos em três grupos. Os grupos, doravante nomeados ‘Grupo I’ e ‘Grupo III’, foram compostos por jovens adultos, estudantes de graduação em licenciatura nas áreas de exatas, ciências naturais e engenharia de duas universidades públicas. Estes eram os grupos de adultos que ainda não trabalham com crianças. Seus participantes tinham de 18 a 33 anos de idade, sendo 53,12% deles do sexo masculino e 46,88% do sexo feminino, a imensa maioria não tinha filhos e era graduanda nos cursos das engenharias. Já o ‘Grupo II’ foi composto por professoras de uma escola pública; adultas que tiveram formação acadêmica voltada para a infância e trabalhavam diretamente com crianças. Esse grupo foi composto por mulheres, oriundas de classes médias e populares, com idade entre 42 e 57 anos, e das quais 72,72% tinha pelo menos um filho. Assim, a pesquisa contou com um total de 43 adultos entre 18 e 57 anos, sendo 60,46% do sexo feminino e 39,53% do masculino.
Os adultos participaram da pesquisa apenas em situações de grupo porque não priorizamos sua opinião individual, mas sim o que o debate entre eles produziu enquanto um discurso mais coletivo do grupo sobre a proteção da infância. Adotamos na pesquisa a metodologia dos grupos operativos (Pichon-Rivière, 2005; Bleger, 2011). Foram realizadas nove reuniões com os Grupos I, II e III, denominadas ‘Oficinas’, ocorridas separadamente em três encontros com cada grupo – a ‘Oficina I’, a ‘Oficina II’ e a ‘Oficina III’. As Oficinas tiveram um roteiro semiestruturado de atividades que colocou tarefas diferentes para os grupos a cada encontro. As tarefas (Bleger, 2011) buscaram aproximar os participantes do tema da pesquisa, contemplando aspectos relacionados ao problema da proteção e das relações intergeracionais. Em uma Oficina foram usados relatos e memórias da infância dos próprios participantes e nas duas outras Oficinas foram usadas duas histórias fictícias. As histórias se desenrolavam em contextos diferentes e com personagens distintos – adultos e crianças. A narração das histórias continha lacunas propositais para que os participantes usassem a imaginação, criando várias possibilidades de continuação para elas e tentando justificar menos os comportamentos de cada personagem.
Todas as Oficinas tiveram o áudio da discussão gravado, com autorização de todos os participantes. Após a realização de cada Oficina, uma transcrição foi providenciada e, a partir dela, elaboramos um relatório para cada uma, descrevendo o andamento da atividade e como os participantes operaram a tarefa.
O estudo do material produzido no trabalho de campo – os relatórios – nos permitiu selecionar as passagens mais relevantes para a pesquisa. Esses dados foram organizados em categorias analíticas que são discutidas na tese de doutorado1 para a qual a pesquisa foi realizada. Por sua vez, no presente trabalho, apresentamos exclusivamente a visão dos adultos sobre a proteção, tendo em conta contextos nos quais as crianças gozam de uma infância mais próxima da “idealizada”, ou seja, trata-se da criança que frequenta regularmente a escola, usufrui de boas condições no ambiente doméstico para crescer e dedicar-se aos estudos, brinca bastante, está sob os cuidados dos pais, entre outras características.
Uma história fictícia específica foi usada nas Oficinas para despertar o debate sobre o papel dos adultos para com uma infância “idealizada”. Nossa intenção foi criar um caso em que a personagem criança, que vive uma infância socialmente considerada “normal”, tem uma relação ativa com os adultos e lhes coloca questões e desafios, obrigando-os a refletir sobre como lidar com ela.
A história se passa numa escola privada, envolve uma criança de nove anos chamada Wilson (que tem desempenho regular na escola), a professora dele, os pais do menino (com quem ele vive) e a direção da escola. O “Caso Wilson” narra o incômodo da professora devido aos comportamentos e comentários do menino em sala de aula, se remetendo a sexo e drogas. A professora quer “se livrar” de Wilson. A diretora da escola quer que a família resolva a situação o mais rápido possível. Os pais estão decepcionados com a direção da escola. Eles também demonstram preocupação com o envolvimento de Wilson com colegas mais velhos e com os temas “maliciosos” e “precoces” que têm despertado o seu interesse, supostamente em decorrência dessa convivência. Inicialmente eles não sabem como agir, mas terminam mudando o filho de escola. Os pais não têm garantias de obter sucesso: não se sabe se Wilson mudará seu comportamento ou se ele estará bem na nova escola.
Para o presente trabalho, foram analisados os relatórios do trabalho de campo com resultados relativos ao “Caso Wilson”. Na seção seguinte, são apresentados, de forma resumida, os posicionamentos construídos pelos grupos de adultos sobre a ideia de proteção.
1 LIBARDI, S. S. A proteção da infância e as relações intergeracionais a partir da perspectiva dos adultos. Rio de Janeiro, 2016. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Trabalho orientado pela professora Lucia Rabello de Castro, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.