Foto: Pxhere

Agravamento das vulnerabilidades infanto-juvenis: uma análise sociopolítica do sofrimento psíquico durante a pandemia de COVID-19

Situações de atendimento de adolescentes em saúde mental

Após mais de um ano de pandemia, já assistimos a alertas sobre epidemia na saúde mental de crianças e adolescentes, com risco de incremento à lógica da medicalização em detrimento de um olhar para a dimensão sociopolítica do sofrimento (ROSA, 2016), ou seja, aquela advinda do lugar que esses sujeitos ocupam no laço social, o que justamente permitiria a construção de uma fala própria às crianças e adolescentes, possibilitando-lhes construir enlaçamentos sociais para além da esfera familiar.

Criar uma perspectiva para o futuro, ainda que provisória e mutável, é essencial para o jovem. Quanto ao projeto de vida, Dolto (1988) aponta para a necessidade da construção de um arcabouço de futuro que serviria ao adolescente como uma espécie de substituto aos ritos de passagem, que perderam o sentido numa sociedade carente de modelos tradicionais. Gilberto Velho (1994) discute a noção de projeto no contexto da antropologia das sociedades complexas. Reconhecendo uma dimensão não-consciente na elaboração dos projetos individuais, Velho refere-se à possibilidade de des e reconstrução das referências do sujeito na constituição de um projeto singular. A experiência de ser adolescente confronta o sujeito com o desafio de construir um projeto individual, deixando a proteção da família, da qual deve, paulatinamente, separar-se. O que está em jogo na adolescência é a capacidade do sujeito de integrar-se ao campo sociosimbólico, construindo uma trajetória cada vez mais individual, em uma sociedade em permanente transformação (SAGGESE, 2001).

Dito isso, destacamos alguns aspectos que ligam o sofrimento psíquico do jovem com as consequências da pandemia: as mudanças na interação entre a vida dentro da família e a interação com os pares; a alteração no projeto de vida e na perspectiva de futuro. A necessidade de distanciamento social acresceu dificuldades ao agravamento das vulnerabilidades, inerente à adolescência, entre o espaço intrafamiliar e a vida social mais ampla. Ainda que cumpridas de forma irregular, quarentenas foram implementadas em diversas regiões e países, com graus vários graus de rigidez e aderência. Um aumento do convívio familiar forçado dificilmente pode ser encarado de forma positiva. Nas famílias mais conflituosas, a convivência elevou o risco de sofrimento psíquico para os adolescentes. Mesmo nas famílias que não enfrentavam um nível acentuado de embates, o impedimento para trânsito entre os espaços da casa e o mundo externo ao lar produziu resultados negativos para o segmento juvenil. Os espaços da rua e da escola são essenciais para a sociabilidade nesse momento da vida, e a restrição de acesso a esses espaços deixa marcas. Essas marcas vão do aumento do sentimento de tédio até o crescimento de questões como ansiedade e depressão.

Como já foi assinalado, a solução para esses tipos de problemas não obrigatoriamente deve vir da patologização e medicalização da questão. Se medicalizar não deveria ser a solução universal, de onde viriam respostas para a acentuação dos problemas emocionais que se apresentam como resultado das novas dificuldades na travessia da adolescência? Só podem vir de ações que diminuam a necessidade do distanciamento (vacinação), melhorem as condições econômicas das famílias mais carentes (renda mínima), ampliem as possibilidades de contato remoto (melhor acesso à internet).

A partir do atendimento clínico de adolescentes no ambulatório de saúde mental, que não parou de acontecer e passou a se dar de modo remoto, é possível construir um observatório para algumas das situações que apontam para o agravamento dos desafios inerentes à adolescência. O que já se anunciava antes da pandemia, no caso de famílias vulneráveis, com poucos recursos para cuidar dos filhos e que, muitas vezes, não contam com agências públicas eficazes com quem possam compartilhar esse cuidado, acaba por se agravar. Diante do fechamento de escolas, que tendem a funcionar, muitas vezes, como instituições de mediação entre a família e o espaço público, crianças e adolescentes permanecem restritos à esfera familiar e, em muitas situações, expostos à negligência e a conflitos, sem outras instâncias que pudessem auxiliar na promoção de saúde e educação.

Maria2 é uma menina de 14 anos que vive com a mãe em uma comunidade pobre do Rio de Janeiro. A mãe, que trabalha o dia todo, inclusive aos finais de semana, diz não ter tempo para conversar com a filha. O pai de Maria estava preso e pouco a procura também. Os irmãos mais velhos que moram perto por vezes assumem a função de cuidar dela, mas isso se dá mais por repreensões violentas, que já chegaram à violência física. Maria mora em uma comunidade cercada pelo tráfico por onde circula sozinha e faz amizades com pessoas de várias idades, além de não ter um vínculo estável com a escola. A menina se corta nos braços e nas pernas, e não esconde as cicatrizes em claro endereçamento de seu desamparo à mãe. Durante a pandemia, Maria acaba por buscar outra família que cuida dela, uma madrinha que a escuta e cuida das cicatrizes geradas pelos cortes.

A partir do seu atendimento no ambulatório, é possível pensar que deve haver uma escuta para que a jovem possa elaborar seu sofrimento psíquico. Na ausência dessa possibilidade de elaboração há o transbordamento da angústia, refletido no cortar-se. Em geral, pouco obtemos ao procurar a origem das lesões autoprovocadas na fala dos adolescentes. Essa fala permanece ao nível do “me corto para aliviar a angústia”. Qualquer tentativa de encontrar questões prévias que originariam as ações esbarra no silêncio ou na evasão. Quando é possível iniciar um processo de escuta analítica, o primeiro passo é a possibilidade da construção das questões que o aquele jovem não pode elaborar. A ausência da possibilidade de elaboração pavimenta o caminho para a continuação dos cortes como a única possibilidade de se contrapor à invasão da angústia. Quando do estabelecimento de uma fala sob transferência é comum o abandono das autolesões ou a diminuição dessa estratégia de lidar com a angústia.

João é um adolescente de 15 anos negligenciado pelos pais biológicos, usuários de drogas, cuidado por uma tia, que vem a falecer. Fica aos cuidados da prima e do primo, jovens de 20 e 23 anos, que também acabavam de perder a mãe e já tinham perdido o pai há alguns meses. Acusado de ser agressivo em relação à prima, chega em 2019 ao atendimento no ambulatório de saúde mental para crianças e adolescentes. O tratamento se inicia com a aposta na possibilidade de elaboração das muitas perdas vividas pelo adolescente e, paralelamente, no acolhimento ao desamparo dos jovens primos que cuidam dele. Entretanto, na pandemia, uma vizinha denuncia a prima ao Conselho Tutelar por maus-tratos, e o adolescente corre o risco de que ela perca a sua guarda. A prima, que o acompanha com frequência nas sessões no ambulatório, afirma para a analista do menino que não quer deixar de cuidar dele, apesar de admitir as dificuldades na relação.

A partir dos casos de Maria e João, podemos observar que a pandemia ampliou o desafio da clínica psicanalítica como despositivo de escuta dos adolescentes, tanto na clínica privada quanto no ambulatório público, tornando obrigatória a reflexão quanto ao seu lugar frente à nova realidade de atendimentos remotos. Como posição ética, não poderíamos recuar sabendo da maior vulnerabilidade dos jovens e suas famílias às consequências do isolamento social e do risco de morbidade. Compreendemos a necessidade de o analista assegurar sua presença pela escuta desses sujeitos frente à crise, não só aquela já reconhecida como a crise da adolescência, mas também às novas questões de vulnerabilidades sanitária e psicossocial.

Considerações finais

A experiência de vulnerabilidade e exposição a riscos na infância e na adolescência varia de acordo com o lugar social que esses sujeitos ocupam, ficando bastante evidente também que tal condição remete à fragilização de instâncias de proteção e garantias de direitos, sobretudo em se tratando de crianças e adolescentes. Com o fechamento das escolas, instituições de mediação entre a família e o espaço público, crianças e adolescentes permaneceram restritos à esfera familiar e, em muitas situações, expostos à negligência e a conflitos, sem outras instâncias que poderiam auxiliar na promoção de saúde e educação. Portanto, a zona de vulnerabilidade social em que se encontram gerou maiores possibilidades de abandono, violência e morte, registrados estatisticamente e com repercussão midiática. As situações envolvendo o desaparecimento de três meninos de Belford Roxo e a morte do menino Henry Borel são ilustrativas da ausência da proteção dos direitos fundamentais à vida e à dignidade da criança cidadã. No primeiro caso, o sistema de investigação criminal é lento e sem resposta. No segundo, a criança foi continuadamente exposta a agressões, não tendo havido escuta da sua voz enquanto pedia socorro.

A insensibilidade dos governantes, cujas palavras aumentam o desconforto social, contribuem para o poder traumático da violência concreta e simbólica, consequência tão mais grave quanto maior a expectativa que tínhamos direito a ter de autoridades que, pela sua posição, deveriam encarnar um papel de guardiões da sociedade. Quem deveria ser um cuidador não cuida, quem deveria proteger não protege, ao contrário, estimula situações de vulnerabilidade e violência, agravadas pela pandemia.

A pandemia potencializa as múltiplas dimensões da vulnerabilidade em que se encontram crianças e jovens brasileiros e, ao mesmo tempo, silencia-as de diversas formas, ocultando os aspectos sociopolíticos nela implicados, seja pelo destino que muitas vezes sofrem no seu tratamento, seja pela forma como são divulgadas na mídia ou, ainda, pelo modo que são tratadas na esfera jurídica, acentuando o desamparo de crianças e jovens. Como alternativa à medicalização e à judicialização do sofrimento psíquico dos adolescentes, precisamos buscar outras respostas para isso por meio de iniciativas que promovam a restauração dos laços sociais.

2 – Em ambos os casos, utilizamos nomes fictícios e contamos com o consentimento das famílias e dos adolescentes para fins de pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE): 20131119.6.0000.8160.

Referências Bibliográficas

AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CEZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Orgs.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. p. 117-139.

BETIM, F. Mais de 100 dias sem resposta sobre os três meninos desaparecidos de Belford Roxo. El País, São Paulo, 12 abr. 2021. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2021.

BRADBURY-JONES, C.; ISHAM, L. The pandemic paradox: the consequences of COVID-19 on domestic violence (Editorial). Journal of Clinical Nursing, v. 29, n. 13-14, p. 2047-2049, 2020.

BRANDÃO, E. P. Laudos e pareceres psicológicos e práticas de poder. Psicol.Argum., v. 33, n. 82, p. 364-377, jul./set. 2017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, 2011 a 2018. Boletim epidemiológico, v. 50, n. 24, 2019. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2021.

______. Disque 100 tem mais de 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2021. Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, 2021. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2021.

BRAVO, M. I. S.; PELAEZ, E. J. A saúde nos governos Temer e Bolsonaro: lutas e resistências. SER Social, v. 22, n. 46, p. 191-209, 2020.

BROOKS, S. K. et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet, v. 395, n. 10227, p. 912-920, 2020.

CABRAL, I. E. et al. Child health vulnerabilities during the COVID-19 pandemic in Brazil and Portugal. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 29, e3422, 2021.

CASA FLUMINENSE. Mapa da desigualdade região metropolitana do Rio de Janeiro 2020. Casa Fluminense, 2020. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2021.

CASTEL, R. Dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à desfiliação. Caderno CRH, v. 10, n. 26-27, p. 19-40, 1997.

CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE. Juventudes e a pandemia do coronavírus. Relatório nacional. 2. ed. 2021. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2021.

COSTA, J. F. Violência e Psicanálise. São Paulo: Editora Zagodoni, 2021.

COUTINHO, L. G. Adolescência e errância: destinos do laço social contemporâneo. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2009.

DESLANDES, S. T.; COUTINHO, T. The intensive use of the internet by children and adolescents in the context of COVID-19 and the risks for self-inflicted violence. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, supl. 1, p. 2479-2486, 2020.

DOLTO, F. La Cause des adolescents. Paris: Editora Robert Laffont, 1988.

DOMINGUES, C. M. A. S. Challenges for implementation of the COVID-19 vaccination campaign in Brazil (Editorial). Cad. Saúde Pública, v. 37, n. 1, 2021.

DUBET, F. O tempo das paixões tristes. São Paulo: Editora Vestígio, 2020.

FONSECA, E. M. et al. COVID-19 in Brasil: presidential denialism and the subnational government’s response. In: GREER, S. L. et al. (Orgs.). Coronavírus politics: the comparative politics and policy of COVID-19. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2021. p. 494-510.

FREITAS, C. M.; SILVA, I. V. M.; CIDADE, N. C. COVID-19 as a global disaster: challenges to risk governance and social vulnerability in Brazil. Ambiente & sociedade, v. 23, 2020.

FREUD, S. Inibições, sintomas e ansiedade. In: FREUD, S. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XX. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976. p. 101-196. (Edição Standard Brasileira).

______. O ego e o id. In: FREUD, S. Obras Completas de Sigmund Freud. v. XIX. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980a. p. 23-83. (Edição Standard Brasileira).

______. O mal-estar na Civilização. In: FREUD, S. Obras Completas de Sigmund Freud. v. XXI. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1980b. p. 81-178. (Edição Standard Brasileira).

______. Projeto para uma Psicologia Científica. In: FREUD, S. Obras psicológicas completas. v. I. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974. p. 335-454. (Edição Standard Brasileira).

GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2002.

HOEKSTRA, P. J. Suicidality in children and adolescents: lessons to be learned from the COVID‑19 crisis. European Child & Adolescent Psychiatry, v. 29, p. 737-738, 2020.
IBGE. Cidades e Estado. 2010. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2021.

ISUMI, A. et al. Do suicide rates in children and adolescents change during school closure in Japan?: the acute effect of the first wave of COVID-19 pandemic on child and adolescent mental health. Child Abuse & Neglect, v. 110, part 2, 2020. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2021.

JOHNS HOPKINS UNIVERSITY. Covid-19 dashboard. Johns Hopkins University of Medicine Corona Virus Resource Center, 2021. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2021.

LACAN, J. O Seminário livro 6: o desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2016.

LE BRETON, D. Passions du risque. Paris: Éditions Métailié, 2000.

MELLO JORGE, M. H. P. Como morrem nossos jovens. In: MELLO JORGE, M. H. P. Jovens Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas. Brasília: CNPD, 1998.

MINAYO, M. C. S (Org.). Bibliografia comentada da Produção Científica Brasileira sobre Violência e Saúde. Rio de Janeiro: Panorama, 1990.

MUÑOZ SÁNCHEZ, A. I.; BERTOLOZZI, M. R. Pode o conceito de vulnerabilidade apoiar a construção do conhecimento em Saúde Coletiva? Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 2, p. 319-324, 2007.

PETROWSKI, N. et al. Violence against children during COVID-19: assessing and understanding change in use of helplines. Child Abuse & Neglect, v. 116, part. 2, e104757, 2021.

PLATTA, V. B.; GUEDERTA, J. M.; COELHO, E. B. S. Violência contra crianças e adolescentes: notificações e alerta em tempos de pandemia Rev. Paul Pediatr., v. 39, e202026, 2021.

REBELLO, A. Dr. Jairinho, a frágil distância entre um político e um assassino monstruoso. El País, São Paulo, 10 abr. 2021. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2021.

ROCHA, R. et al. Effect of socioeconomic inequalities and vulnerabilities on health-system preparedness and response to COVID-19 in Brazil: a comprehensive analysis. The Lancet Global Health, v. 9, n. 6, e782-e792, 2021.

ROSA, M. D. A Clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Editora Escuta, 2016.

ROSA, M. D.; VICENTIN, M. C. Os intratáveis: o exílio do adolescente do laço social pelas noções de periculosidade e irrecuperalidade. Rev. psicol. polít., v. 10, n. 19, p. 107-124, 2010.

RUOTTI, C.; MASSA, V. C.; PERES, M. F. T. De la vulnerabilidad y la violencia: una nueva concepción del riesgo para el estudio de homicidios de jóvenes. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 15, n. 37, p. 377-389, 2011.

SAGGESE, E. Adolescência e psicose: transformações sociais e os desafios da clínica. Rio de Janeiro: Editora Companhia de Freud, 2001.

SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.

SOUSA, G. S. et al. Revisão de literatura sobre suicídio na infância. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 9, p. 3099-3110, 2017.

SOUZA, R. O.; SANTOS, M. S. P.; SILVA, A. T. P. A saúde no Brasil recente: elementos da política de (não) enfrentamento à COVID-19. Humanidades & Inovação, v. 8, n. 35, p. 36-52, 2021.

VELHO, G. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1994.

Resumo

Análise teórico-reflexiva sobre vulnerabilidades e sofrimento psíquico na infância e adolescência agravados com a pandemia da COVID-19 e ancorada nos pressupostos da saúde coletiva e Psicanálise. O afastamento da escola e a redução do atendimento presencial nas unidades de saúde aumentaram o tempo de convivência intrafamiliar. Paradoxalmente, observa-se um aumento nas vulnerabilidades de crianças e adolescentes, na violência com mortes prematuras e nos índices de sofrimento psíquico. Por meio da noção de desamparo, sugere-se uma possível articulação entre a vulnerabilidade social e a vulnerabilidade psíquica de crianças e de adolescentes. As situações envolvendo o desaparecimento de três meninos de Belford Roxo, Brasil, e a morte do menino Henry Borel são ilustrativas da ausência da proteção dos direitos fundamentais à vida e à dignidade da criança. São reportados também casos de adolescentes vulneráveis à violência autoinfligida que demandam a continuidade do atendimento ambulatorial para assegurar alguma proteção e um lugar de escuta.

Palavras-chave: proteção da criança, adolescente, vulnerabilidade social, sofrimento emocional, COVID-19.

Agravamiento de las vulnerabilidades infanto juvenil: un análisis sociopolítico de sufrimiento psicológico durante la pandemia de COVID-19

Resumen

Análisis teórico-reflexivo sobre las vulnerabilidades y el sufrimiento psíquico en la infancia y la adolescencia, agravados por la pandemia COVID-19, anclado en los supuestos de la salud colectiva y el psicoanálisis. El ausentismo escolar y la reducción del atendimiento en unidades de salud aumentaron el tiempo de permanencia en la familia. Paradójicamente, hay un aumento en las vulnerabilidades de niños, niñas y adolescentes, en la violencia con muerte prematura y en los niveles de sufrimiento psíquico. A través de la noción de desamparo se sugiere una posible articulación entre la vulnerabilidad social y psíquica de niños y adolescentes. Las situaciones de la desaparición de los tres chicos de Belford Roxo, Brasil, y la muerte del chico Henry Borel ilustran la desprotección de los derechos fundamentales a la vida y dignidad. También se reportan casos de adolescentes vulnerables a la violencia autoinfligida que exigen la continuidad de la atención ambulatoria para asegurar cierta protección y un lugar para ser escuchado.

Palabras clave: protección a la infancia, adolescente, vulnerabilidad social, transtornos emocionales, COVID-19.

Aggravation of childhood and youth vulnerabilities: a sociopolitical analysis of psychological distress during the COVID-19 pandemic

Abstract

Theoretical-reflective analysis on vulnerabilities and psychic suffering in childhood and adolescence, aggravated by the COVID-19 pandemic, anchored in the assumptions of collective health and psychoanalysis. The absence from school and the reduction in face-to-face care at the health units increased the time spent in the family. Paradoxically, there is an increase in the vulnerabilities of children and adolescents, in violence with premature deaths and in the levels of psychic suffering. Through the notion of helplessness, a possible articulation between social vulnerability and psychic vulnerability of children and adolescents is suggested. The hypotheses involving the disappearance of three boys from Belford Roxo, Brazil, and the death of the boy Henry Borel illustrate the lack of protection of the fundamental rights to life and dignity of the child. Cases of adolescents vulnerable to self-inflicted violence that require continuity of outpatient care to ensure some protection and a voice are also reported.

Keywords: child welfare, adolescent, social vulnerability, emotional distress, COVID-19.

Data de recebimento: 30/08/2021
Data de aprovação: 15/10/2021

Luciana Gageiro Coutinho lugageiro@uol.com.br

Psicóloga, Psicanalista, Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Puc-Rio), Brasil, Pós-Doutorado em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Membro do NIAJ/UFRJ e Coordenadora do LAPSE/UFF. Professora Associada da Faculdade de Educação/Departamento de Fundamentos Pedagógicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil.

Edson Guimarães Saggese edsonsaggese@gmail.com

Psiquiatra, Psicanalista, Professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), Brasil. Fundador do Centro de Atenção Psicossocial para Crianças e Adolescentes (CARIM/UFRJ). Atualmente coordenador do ProAdolescer, laboratório de pesquisa da UFRJ.

Ivone Evangelista Cabral icabral444@gmail.com

Enfermeira pediátrica e Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Pós-doutorado em Mental Health and Transcultural Psychiatry pela McGill University, Canadá. Pesquisadora do CNPq. Membro da Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras e Associação Brasileira de Enfermagem – RJ, Brasil.