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Fórum de Escolas do Grande Bom Jardim: práticas de enfrentamento à violência armada em territorialidades escolares de periferias de Fortaleza

Ações do Fórum de Escolas na Pandemia de Covid-19

A chegada da pandemia do novo coronavírus no Ceará, em março de 2020, inaugura algumas questões e desafios às escolas do GBJ. Primeiramente, a preocupação com as vidas de seus alunos e familiares. Além disso, a interrupção das aulas presenciais e do calendário escolar, bem como as dificuldades na possibilidade de um ensino remoto, visto que boa parte dos alunos não tinha acesso à internet, ou sequer eletrônicos como celulares para assistir às aulas. A suspensão das aulas presenciais mudou radicalmente as rotinas dos/as gestores/as, professores/as, estudantes, familiares e de toda a comunidade, atingindo-os/as pelas incertezas e preocupações com a COVID-19.

Os encontros mensais e as ações do FEPGBJ nas escolas foram temporariamente paralisados com o advento do isolamento social, posto que havia outras demandas mais urgentes naquele momento a serem cuidadas, a exemplo da distribuição do vale alimentação para os alunos, recurso estadual por conta da merenda escolar, e a entrega de algumas cestas básicas por parte da escola. Percebendo o desafio da articulação dos encontros, impossibilitados de serem presenciais, em agosto de 2020, foi proposto o retorno dos encontros, desta vez, de forma remota, através de plataformas de chats virtuais, agregando gestores, professores e parceiros que compartilhavam, dentre outras questões, os desafios do ensino remoto.

Nos encontros, os participantes compartilham suas múltiplas angústias, tanto em relação à pandemia, com familiares de alunos adoecendo, por exemplo, e também com o aumento no número de homicídios em decorrência da violência armada, como já citado (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ, 2020), mesmo em período de isolamento social. Além dessas preocupações e demandas, o risco do aumento da taxa de evasão escolar devido à precariedade do acesso à internet por parte de uma parcela significativa dos alunos para acompanhar aulas remotas foi e está sendo algo bem desafiador. Infelizmente, o GBJ tem agregado grande número de pessoas vítimas pela COVID-19. A crise sanitária ocasionada pela pandemia ampliou ainda mais as desigualdades, violações de direitos e violências já existentes no território, o que tem contribuído para o aumento do sofrimento psíquico dos/as estudantes.

Defronte às fragilidades identificadas nas territorialidades escolares, os/as participantes, no formato das comissões, apresentaram sugestões de modo que as denúncias, principalmente relacionadas à evasão escolar e aos conflitos territoriais de guerras às drogas, pudessem ser feitas sem gerar riscos aos adolescentes e à comunidade escolar. Em julho de 2020, após um projeto apresentado pela Assembleia Legislativa para alteração da lei 13.230 de 2002, o governador sancionou a Lei 17.253, que traz no inciso I do segundo parágrafo a competência da comissão de proteção e prevenção à violência contra crianças e adolescentes (CEARÁ, 2002, 2020).

Como tentativa de fortalecer as redes de apoio dos/as estudantes e perpetuar as pautas do Fórum de Escolas, o planejamento do Festival de Arte e Cultura foi incorporado às atividades do Fórum. Este evento foi realizado no dia 13 de novembro de 2020 e envolveu estudantes e artistas do território de forma totalmente virtual, seguindo as recomendações dos órgãos de saúde. O evento integrou a Semana Estadual de Prevenção aos Homicídios na Adolescência, realizada pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência.

Figura 3 – À direita, cartaz da Semana Cada Vida Importa (2020), e à esquerda, cartaz do Festival de Arte e Cultura: Cada Vida Importa (2020).

Fonte: Arquivo pessoal (2020).

Dentre as diversas atividades nas quais nos inserimos, destacamos também a produção do curta metragem Não Pare de Sonhar5, o qual foi produzido por três escolas públicas do GBJ e contou com a participação de um dos laboratórios supracitados na promoção de oficinas sobre a temática de adolescências e violências, na construção do roteiro e gravação. Para nós, as práticas artísticas e culturais, sobretudo as marginais (poesia no ônibus, fanzine etc.), são utilizadas como estratégias de visibilidade, como táticas de re-existência e de interpelação das expressões necropolíticas que assolam o cotidiano do GBJ, posto que procuram “re-definir e re-significar a vida em condições de dignidade e autodeterminação, enfrentando a biopolítica que controla, domina e mercantiliza os sujeitos e a natureza” (ACHINTE, 2017, p. 20). Como salienta Glória Diógenes (2020), por meio da arte, a juventude produz linhas tortas de linguagens que fogem da gramática colonial, brinca com novos arsenais de afetos por meio do “contágio profanatório” e, assim, reinventa seus modos de ser, estar e de sobreviver.

Essas experiências mostram como as articulações do Fórum de Escolas se materializam, compreendendo que a relação escola-comunidade e a educação extrapolam os muros escolares e que, sozinhas, as instituições de ensino não conseguem dar conta dos inúmeros desafios da educação. As escolas, por fazerem parte de uma comunidade, encaram o desafio de uma educação contextualizada, dialogando com a educação formal e não formal. Segundo Gohn (2006), a educação não formal é uma complementaridade da educação formal. A autora faz uma comparação entre os dois formatos e a educação informal, demarcando o campo de atuação:

A educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e cultura própria, de pertencimento e sentimentos herdados; e a educação não formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas (GOHN, 2006, p. 28).

Sendo assim, a educação não formal exercida no FEPGBJ, outra ferramenta de linguagem, através da atuação de organizações não governamentais e equipamentos e coletivos culturais atuantes no território, busca desenvolver formações de arte, cultura e direitos humanos com estudantes e também promover encontros sobre esses temas para toda a comunidade escolar. Dessa forma, a comunidade educativa cumpre um importante papel de complementaridade na formação de jovens no GBJ. É relevante salientar que, mesmo com o encerramento do ano de 2020, a pandemia ainda segue em curso, requerendo todos os protocolos possíveis de cuidados e distanciamento social. Desta maneira, os encontros do Fórum de Escolas seguem se organizando de maneira remota e as escolas públicas, até o presente momento, estão com atividades escolares suspensas.

Considerações finais

As reflexões que detalhamos sobre as alianças constituídas entre e com territórios escolares da periferia de Fortaleza, o Fórum de Escolas, revelam os atravessamentos de uma encruzilhada do direito à vida e da mobilidade de corpos juvenis presentes em espaços “faccionados”, permeados pela política de inimizade, pela política de guerra às drogas e pela violência armada na cidade de Fortaleza. Nesse sentido, o direito de ir e vir, sobretudo a permanência no espaço escolar, têm sido circunstâncias mediadas pelos efeitos da violência, cuja realidade é acentuada na periferia do GBJ, onde predominam precárias políticas de prevenção à violência em contrapartida do fortalecimento de políticas punitivas e militarizadas, além da perpetuação de ineficientes políticas de cultura e lazer para as juventudes.

Na contramão dessa realidade, aponta-nos a cartografia das ações do Fórum de Escolas, que os territórios escolares tendem a garantir seus espaços como pontos de encontros para as juventudes vivenciarem suas expressões juvenis e suas polifonias geracionais e culturais. Salientamos que esses encontros, muitas vezes na realidade da periferia de Fortaleza, são assolados pela proibição da mobilidade nas ruas dos territórios, cujos corpos racializados e genderizados em sua maioria são os mais violentados pela violência armada e pelos grupos que disputam o tráfico de drogas. Por isso, atribuímos a noção de territorialidades escolares/educacionais, por demonstrar que o território da escola evidencia um espaço tático de sobrevivência, onde o Fórum de Escolas intervém enquanto um aliançamento de lutas e re-existências das juventudes.

A disputa de poder pelo território periférico no âmbito da segurança pública atravessa os cotidianos escolares que compõem o FEPGBJ e, consequentemente, impõem sentimentos e crenças de terror e medo social nas mobilidades de estudantes e professores. Essa realidade social se tornou pauta para a criação e permanência de trabalhos desenvolvidos pelo Fórum de Escolas há quase seis anos. Entre escolas e parceiros, são fomentados espaços estratégicos de discussão e planejamento de ações para o enfrentamento dos efeitos da violência armada no território, principalmente os homicídios que há muitos anos aumentaram as estatísticas de jovens estudantes assassinados. Mesmo diante das violações de direitos enfrentadas nas periferias do capitalismo e sua ampliação devido às regras impostas por facções criminosas, o trabalho que essa organização vem desempenhando apresentou importantes conquistas, contribuindo para uma relação mais horizontal entre moradores, coletivos juvenis, ativistas sociais, universidade e Governo do Estado do Ceará. Esse espaço tem produzido uma tomada de consciência dos participantes, reterritorialização dos espaços públicos ocupados pelos estudantes, garantia e defesa de direitos, bem como novos territórios existenciais mais empáticos, fortes e unidos em prol de um comum: a “sobrevivência nas quebradas”.

Acompanhar, construir e coletivizar os processos do Fórum de Escolas nos permitiu, como percurso de criação, invenção e intervenção, co-produzir espaços coletivos de partilhas, de experiência e de invenções estéticas da e na periferia. São processos de singularização e territorialização da re-existência de forma molecular, corroborando linhas de fuga (insurgência e reinvenção), de insistência em ocupar espaços públicos e privados (reterritorialização) em que o FEPGBJ, como uma rede de luta e proteção, tem coletivizado e dado vazão para que jovens estudantes transitem e vivenciem o território urbano.

Por fim, a cartografia das práticas do Fórum de Escolas aponta-nos uma periferia que se reinventa em meio às malhas de poder acionadas pelas expressões necropolíticas que sedimentam as existências que ali residem. No que se refere às territorialidades escolares e educacionais, as ações do FEPGBJ têm promovido reflexões sobre a letalidade juvenil, violência armada e evasão escolar, além disso, têm convocado não somente a comunidade do GBJ para pensar estratégias de redução dessas problemáticas, mas o poder público estadual e municipal, parceiros do Fórum. Dentre a coletivização dessa luta, cabe-nos apontar a subversão de parceiros, como coletivos juvenis e movimentos sociais, que têm produzido, a partir da arte, afrontamentos que agenciam novos modos de subjetivar-se como periférico. A princípio, o periférico é posto como estigma; contudo, por meio das artes, é realocado como emblema de uma identidade política que transforma o periférico em potência.

5 – Além de ter sido amplamente divulgado nas escolas, na Semana Estadual de Prevenção de Homicídios na Juventude, ele também foi apresentado no Cine Teatro São Luiz. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2021.

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Resumo

A violência armada nos últimos anos tem intensificado o assassinato de jovens nas malhas necropolíticas das periferias de Fortaleza. O presente artigo objetivou cartografar as práticas de enfrentamento à violência armada desenvolvidas pelo Fórum de Escolas pela Paz do Grande Bom Jardim (FEPGBJ). As experiências narradas são oriundas da criação e composição de um movimento social de escolas públicas e parceiros em umas das periferias de Fortaleza-CE que, há cinco anos, desenvolve intervenções e pactos de ações na garantia de valorização da vida e da cultura de paz entre espaços de guerra às drogas, como o direito de ir e vir nos territórios periféricos e a permanência da vida escolar nos cotidianos desses estudantes. Através do Fórum de Escolas, são resgatadas estratégias de enfrentamento às violências por meio da cultura e arte na promoção de espaços de resistência onde as juventudes vivenciam suas polifonias culturais.

Palavras-chave: violência armada, periferia, escola, juventudes, resistências.

Foro de Escuelas por la Paz del Grande Bom Jardim: prácticas para enfrentar la violencia armada en los territorios escolares de las periferias de Fortaleza

Resumen

La violencia armada de los últimos años ha intensificado el asesinato de jóvenes en las mallas necropolíticas de las periferias de Fortaleza. El presente artículo tiene como objetivo mapear las prácticas de enfrentamiento a la violencia armada desarrolladas por el Foro de Escuelas por la Paz del Grande Bom Jardim (FEPGBJ). Las experiencias narradas provienen de la creación y composición de un movimiento social de escuelas públicas y asociadas en una de las periferias de Fortaleza-CE que desde hace cinco años viene desarrollando intervenciones y pactos de acciones en pro de la valoración de la vida y la cultura de la paz entre los espacios de la guerra contra las drogas, como el derecho a entrar y salir de los territorios periféricos, y la permanencia de la vida escolar en la vida cotidiana de estos alumnos. A través del Foro de Escuelas, se rescatan estrategias para enfrentar la violencia a través de la cultura y el arte en la promoción de espacios de resistencia donde los jóvenes experimentan sus polifonías culturales.

Palabras clave: violencia armada, periferia, escuela, juventud, resistencias.

Forum of Schools for Peace of Grande Bom Jardim: practices to confront armed violence in school territories of peripheries of Fortaleza

Abstract

Armed violence in recent years has intensified the murder of young people in the necropolitical meshes of the peripheries of Fortaleza. This article aims to map the practices of confronting armed violence developed by the Forum of Schools for Peace of Grande Bom Jardim (FEPGBJ). The narrated experiences come from the creation and composition of a social movement of public schools and partners in one of the peripheries of Fortaleza-CE that for five years has been developing interventions and pacts of actions in the guarantee of valorization of life and culture of peace between spaces of war on drugs, as the right to come and go in the peripheral territories, and the permanence of school life in the daily lives of these students. Through the Forum of Schools, strategies are rescued to confront violence through culture and art in the promotion of spaces of resistance where young people experience their cultural polyphonies.

Keywords: armed violence, periphery, school, youth, resistances.

Data de recebimento: 31/01/2021
Data de aprovação: 09/07/2021

Laisa Forte Cavalcante laisacavalcante9393@gmail.com

Psicóloga e Mestra pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil. Integrante do Grupo de Pesquisa e Intervenções sobre Violências, Exclusão Social e Subjetivação (VIESES/UFC), Brasil e do Fórum de Escolas Pela Paz do Grande Bom Jardim, Fortaleza, Brasil.

Larissa Ferreira Nunes larissafnpsico@gmail.com

Doutoranda e Mestre em Psicologia na Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará – UFC – (Bolsista FUNCAP-CE), Brasil. Integrante do Grupo de Pesquisa e Intervenções sobre Violências, Exclusão Social e Subjetivação (VIESES-UFC), Brasil.

Ingrid Rabelo Freitas ingrid.rbfreitas@gmail.com

Assistente Social de Formação pela Faculdade Metropolitana de Fortaleza (FAMETRO), Brasil. Brincante do Maracatu Nação Bom Jardim e Assessora de juventudes do Programa Jovens Agentes de Paz do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza. Integrante do Fórum de Escolas Pela Paz do Grande Bom Jardim, Fortaleza, Brasil.

Tadeu Lucas de Lavor Filho tadeulucaslf@gmail.com

Doutorando e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza-CE, Brasil. Integrante do Laboratório em Psicologia, Subjetividade e Sociedade (LAPSUS). Professor do Centro Universitário Vale do Salgado (UniVS), Brasil. Integrante do Fórum de Escolas Pela Paz do Grande Bom Jardim, Fortaleza, Brasil.

João Paulo Pereira Barros joaopaulobarros07@gmail.com

Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil. Coordenador do VIESES: Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação, Brasil.

Luciana Lobo Miranda lobo.lu@uol.com.br

Doutora em Psicologia pela PUC-RJ, Brasil. Estágio pós-doutoral no Programa de Psicologia Social Crítica e Personalidade pela City University of New York (CUNY), Estados Unidos. Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil. Coordenadora do Laboratório em Psicologia, Subjetividade e Sociedade (LAPSUS), Brasil.