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Meninos não choram: estudo sobre um caso de abuso sexual infantil

Segundo tempo: uma desautorização em curso

O CREAS procedeu no sentido de reforçar o encaminhamento da avó e do pai à Defensoria Pública a fim de que solicitassem revisão da guarda. Ademais, notificou o Conselho Tutelar e a Promotoria de Justiça sobre as recorrentes situações de violência e negligência, enfatizando a passagem pelo hospital, tendo em vista os ferimentos no corpo do menino, bem como sobre os desejos da criança em relação à situação da guarda compartilhada.

Dois dos três profissionais entrevistados alegaram desconhecimento a respeito da passagem da criança pelo hospital. O único que admitiu saber do fato, quando perguntado, o trouxe desarticulado de sua apreensão do caso, como se fosse uma informação pouco relevante. Apesar de não ser possível afirmar, supõe-se que tenha ocorrido aqui um processo defensivo de recusa perceptiva quanto à relevante passagem da criança pelo serviço de emergência. Recusa [Verleugnung] que, como apresentado anteriormente, pode ter sido posta em ação pelos profissionais como uma forma arcaica de defesa contra o embaraço provocado pelos relatos chocantes da criança e de seus familiares, assim como contra o seu próprio sofrimento diante da situação.

Para além de se admitir ou não a passagem da criança pelo hospital, o que está em jogo é o estranhamento diante do pouco peso dado a esse acontecimento pelos profissionais. É importante ter em vista que existem documentos que comprovam o fato (Boletim de Atendimento Médico – BAM), bem como relatos de familiares que indicam que a passagem pela emergência foi reportada pessoalmente a todos os profissionais por uma avó em estado de desespero que, tendo em vista sua queixa principal e o próprio desenrolar dos fatos, verificou-se não ter sido ouvida em um momento inicial. A capacidade de reconhecer o sofrimento da criança parece estar para além de uma verificação fria dos fatos. Trata-se aqui da capacidade de reconhecimento da natureza embaraçosa da situação da criança, de sua vulnerabilidade, tendo em vista o caso concreto. Isso revela a importância da inserção da reunião de estudo de caso enquanto metodologia de trabalho que contemple não apenas uma discussão teórica ou técnica, mas uma troca e suporte mútuo entre os profissionais no que tange às suas dificuldades e angústias frente à estranheza e à imprevisibilidade que advêm das singularidades em jogo no caso em tela (CFP, 2020).

Parece ser preciso reconhecer e, no mesmo momento, criar um tempo de elaboração no qual não se saiba o que fazer, pois caso contrário o imperativo de resolução pode gerar como resposta defensiva imediata uma brusca e violenta intervenção protocolar, ou o seu negativo, a recusa da percepção de que alguma coisa não está conforme o esperado. Porém, constatou-se, no caso estudado, que esse tempo de espera precisou ter um limite, tendo em vista o imperativo ético de proteção da criança. Nesse sentido, o reconhecimento da vulnerabilidade da criança precisou ser construído em articulação com tentativas urgentes de reparações concretas da situação de abuso a fim de promover ações de proteção capazes de interromper de forma diligente e definitiva o ciclo de violência. Primeiramente, de uma forma mais imediata, produziu-se em articulação com a rede — enquanto reparações concretas — a retirada da criança do local onde sofria abusos. Posteriormente, efetivou-se a revisão da guarda, a fim de torná-la mais de acordo com os desejos da criança. Observou-se que a dimensão da reparação parece ser fundamental para apreensão do sentido de reconhecimento em sua plenitude, e para que não se caia na “hipocrisia” (Ferenczi,1992c/1933, p. 100), conforme denunciada pelo psicanalista húngaro. No texto de 1933, o termo hipocrisia assume o sentido próprio de um mecanismo defensivo baseado na simulação e na ausência de ações concretas no sentido de tentar reparar suas próprias falhas.

A pesquisadora, artista plástica e ativista Grada Kilomba (2019) indica a inseparabilidade entre reconhecimento e reparação na relação com sujeitos em situação de vulnerabilidade. Em sua pesquisa sobre o racismo, usou como ilustração um discurso público do historiador e ativista negro Paul Gilroy. Este descreve cinco diferentes formas de defesa que o sujeito branco percorre ao aderir a um processo reflexivo sobre a violência do racismo, que seriam: recusa; culpa; vergonha; reconhecimento e reparação. Na primeira forma de defesa descrita pelo ativista negro, o sujeito branco está diante da recusa em reconhecer um fato, situação na qual seriam comuns expressões do tipo: não sou racista, não temos docentes negros porque eles não se esforçaram o suficiente (Navasconi, 2018). Na culpa, segunda forma de defesa, a tentativa de projeção sobre os outros daquilo que se quer recusar em si não existe mais e emerge no sujeito que praticou o racismo a preocupação com as consequências de sua infração e a tentativa de racionalizações, como na expressão: Devemos enxergar as pessoas como pessoas e não como negros ou brancos (Navasconi, 2018). O terceiro momento, referente ao aparecimento do afeto da vergonha, diz respeito ao processo no qual o sujeito branco – que antes se defendia por trás de uma percepção de si enquanto pessoa no geral – passa a assumir a sua branquitude privilegiada (Navasconi, 2018). No quarto momento, o do reconhecimento, a vergonha deixa de ser apenas um afeto e passa a ser encarada e reconhecida, e expressões críticas, como no exemplo a seguir, se tornam possíveis: A disciplina que eu ministro está construída a partir de uma única voz branca eurocêntrica (Navasconi, 2018). No último momento, o da reparação, o caminho de autocrítica do sujeito branco finalmente desemboca em ação negociada na realidade, no sentido de criar mudanças de estruturas, agendas e vocabulários rumo a um abandono de privilégios (Navasconi, 2018).

Ocorre nessa última etapa o abandono, em termos ferenczianos, da paralisia em jogo na postura defensiva de hipocrisia diante da violência. Pode-se especular se os mecanismos de defesa utilizados pelo sujeito branco como forma de recusar o racismo não seriam análogos aos do sujeito adulto em relação à recusa da situação de vulnerabilidade da criança que sofre abusos. Uma distorção perceptiva relatada por um profissional a respeito da faixa etária das crianças do caso estudado parece confirmar a analogia proposta acima. O erro perceptivo parece funcionar como uma forma de recusar a vulnerabilidade da criança que tinha quatro anos de idade na época, em relação ao primo, que já tinha dez anos:

Já pegamos um caso que a criança ficava muito mais abalada, aparentemente, do que ele, mas ele trazia… relatava com muita tranquilidade o que acontecia. Como se fosse brincadeira com o outro primo, que é praticamente da mesma idade, né? A respeito dele, nós ficamos até preocupados tendo em vista como a família paterna colocava. Como se ele sofresse abuso sexual… por parte de quem? De um outro primo da mesma faixa de idade da criança, né. De 5 ou 6 anos de idade [o primo tinha 10 anos na época]? Duas crianças pequenas. Nem adolescente o menino era. O suposto abusador, se é que assim a gente pode chamar…8

O acolhimento da criança e de sua família pelo CREAS, com o auxílio da rede, contribuiu para a reunião de relatos aprofundados da situação, bem como de documentos confirmatórios como o BAM e os relatos da escola que, em conjunto, conseguiram tornar visível junto ao Ministério Público a situação de sofrimento e vulnerabilidade da criança. Sendo assim, após nova decisão judicial, a guarda do menino foi transferida para o pai e a criança passou a ver a mãe apenas de forma acompanhada no Fórum. Em decorrência disso, verificou-se mais protestos da criança. Parecia que a situação ainda não estava de acordo com o seu desejo. Manifestou-se aqui uma demanda pelo direito ao convívio familiar. Ele começou a apresentar enurese noturna e dificuldade de dormir. Porém, logo em seguida, decidiu-se que a criança ficaria três fins de semana do mês sob a responsabilidade da mãe. Após a mudança, a avó paterna relatou melhora no neto e ele passou a vir alegre da casa da mãe.

Em atendimento, a criança disse que estava satisfeita com a nova divisão da guarda. Apesar de continuar tendo contato com o seu primo, o menino afirmou que as brincadeiras de que não gostava não estavam sendo mais feitas. Ao mesmo tempo, a avó paterna passou a relatar, bastante preocupada, ter percebido outra brincadeira do neto, agora em sua própria casa, no qual ele oferecia o seu “bumbum” em troca de algo, apresentando em ato e de forma ativa o que antes ele tinha relatado do lugar de vítima. A avó foi orientada a intervir junto ao menino, explicando que a brincadeira de barganhar o próprio corpo é inapropriada, pois existem formas melhores de conseguir as coisas. Após essa orientação, os atos descritos cessaram. Com o tempo, uma queixa antiga da escola da criança a respeito de constantes diarreias também cessou.

Nesse caso, que provocou grande mobilização na rede de proteção, verificou-se que a criança foi criada em um contexto familiar de grande tensão devido aos conflitos entre a família materna e paterna e em decorrência da falta de atenção dos adultos, que deixavam as crianças por si próprias. Por conta disso, é possível pensar que, muito novo ele deve ter desenvolvido, muito antes da fala, uma forma de protesto por meio do aparelho digestivo (Dolto, 1984/2002). Porém, a pulsão de autoconservação do soldado solitário era grande, assim como o poder dos seus desejos. O desenvolvimento da sua fala se deu de forma surpreendente e atingiu nível acima do satisfatório para a sua idade. Durante um tempo, várias formas de protesto — por meio dos órgãos excretores, pela agressividade e através da denúncia pela fala — manifestaram-se paralelamente.

Pode-se supor que o encontro sexual incestuoso com o primo não encontrou interdição eloquente na cultura da família. Porém, como na peça de Shakespeare na qual o príncipe Hamlet era assombrado pelo fantasma do pai assassinado, apesar das aparências de normalidade, o menino também sabia que algo ia mal no reino da Dinamarca — o sprit d’escalier puxava sua perna, fazendo-o retornar à cena do abuso sexual, sinalizando que uma situação traumática estava se estabelecendo. A forma contundente com que a avó paterna pedia ajuda leva a crer que alguma interdição familiar incidia sobre a criança, mas não o suficiente para preservá-la objetivamente da situação excessiva. Sozinho diante da relação com o primo e sem interlocução, estabeleceu-se, provavelmente ainda na casa da mãe, o ato de barganhar o próprio corpo como forma de tornar a passividade à qual era submetido suportável através da adição de uma barganha ativa. Dessa aparência de jogo estabelecida com o primo, do qual nosso pequeno soldado shakespeariano também participava ativamente, decorreram as impressões iniciais da rede de que era tudo apenas brincadeira, de que a criança não demonstrava sofrimento, e que não era algo grave. Porém, as informações a respeito da passagem pelo hospital caíram como uma bomba de realidade, e a rede não poderia mais sustentar a tese da “brincadeira” sem efetuar uma recusa perceptiva do Boletim de Atendimento Médico. O apelo à Promotoria de Justiça e a atuação da Defensoria Pública provocada pela família paterna contribuiu para a dissolução dessa recusa.

A revisão da guarda que gerou efeitos de interdição na relação da família materna com as crianças causou grande alívio ao menino, mas não foi suficiente para encerrar o jogo da barganha do corpo. Na casa da avó paterna, a “brincadeira” ressurge diante de uma interlocutora com uma roupagem de atividade inédita para ela. Porém, agora não foi necessária a atuação direta da rede de proteção, pois a criança já contava com a mediação de um adulto cuja atenção havia sido despertada.

Considerações finais

A partir do estudo de caso apresentado, verificou-se que a concepção relacional de trauma em Ferenczi instrumentaliza a discussão a respeito do acompanhamento dos casos específicos de crianças que sofrem abuso sexual. Isso porque a sua ênfase teórica favorece o reconhecimento da vulnerabilidade do infante acometido por relações abusivas e, portanto, cria condições para melhor discernir, nesse contexto, as necessidades da criança.

Verificou-se a impossibilidade de se enfrentar o problema concernente à proteção de crianças envolvidas em relações abusivas, utilizando-se de uma lógica universalista, pois, tendo em vista a estranheza e a imprevisibilidade em jogo na escuta de sujeitos crianças singulares, assim como as particularidades dos contextos em que vivem, faz-se necessário que se atue inevitavelmente no campo do caso concreto. Ferenczi oferece recursos para a atuação do profissional encarregado da proteção dos vulneráveis, pois a sua perspectiva de trauma chama a atenção para as nuances abusivas inesperadas e muitas vezes veladas que só podem ser percebidas a partir da análise de relações concretas e que são produzidas por dinâmicas de poder, contextos culturais e momentos históricos particulares. Exemplos paradigmáticos disso são os casos de abusos produzidos ou agravados pela quebra de confiança e silenciados pela “hipocrisia” (Ferenczi,1992c/1933, p. 100) que podem ser encontrados — como apontado pelo próprio Ferenczi — na relação entre analista e paciente, cidadão e instituição ou entre pais e filhos.

Observou-se também a partir da investigação de um caso concreto a importância de discussões de caso em rede como forma de diluir, por meio do debate sobre as diversas percepções, os mecanismos de defesa dos profissionais diante do horror provocado pelas histórias de violência contra crianças. Além disso, a rede tem como função fornecer suporte mútuo aos profissionais, bem como garantir uma melhor resposta à complexidade das demandas. No caso estudado, foi possível identificar projetos de intervenção concorrentes; porém, as discordâncias não inviabilizaram o trabalho em rede e nem a construção de um desfecho satisfatório para o caso. Pelo contrário, elas se mostraram fundamentais para a elaboração de uma intervenção mais precisa.

A leitura de Ferenczi chama atenção, por fim, para os riscos de uma postura de desconfiança em relação ao relato da criança pelos profissionais. Observamos que essa postura de desautorização da criança que pede ajuda pode provocar um excesso tão traumático quanto a própria cena familiar de abuso e desautorização. Com as populações em situação de vulnerabilidade, uma postura de reconhecimento do sofrimento é fundamental, porém não o suficiente. O caso concreto estudado indicou que não é possível falar em um reconhecimento do sofrimento dos infantes que vivenciam relações abusivas sem pensar em tentativas de reparações urgentes que interrompam de forma definitiva o ciclo de violência.

8 – Fala extraída de entrevista com os profissionais.

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Resumo

O presente artigo tem o objetivo de discutir as dificuldades que podem surgir no acompanhamento a crianças envolvidas em relações abusivas. Para tanto, apresentou-se estudo de caso realizado com o intuito de responder como se deu o acompanhamento de um caso de criança vítima de abuso sexual atendido pelo CREAS em um município de médio porte do Estado do Rio de Janeiro. Esse estudo, de um único caso, foi elaborado segundo os fundamentos do caso revelador. Utilizou-se como referencial teórico para análise dos dados a teoria ferencziana do trauma. O estudo indicou a importância de reuniões para discussões de casos em rede como forma de diluir, por meio do debate a respeito das diversas percepções, os mecanismos de defesa dos profissionais diante do horror da violência. A leitura de Ferenczi aponta que, no atendimento a crianças que sofrem abusos, uma postura de reconhecimento da vulnerabilidade é fundamental, porém, aparenta não ser o suficiente. O caso concreto estudado indicou que não é possível falar em reconhecimento do sofrimento dos infantes sem que isto esteja articulado a tentativas urgentes de reparações que interrompam, de forma definitiva, o ciclo de violência.

Palavras-chave: abuso sexual infantil, política pública, psicanálise, teoria do trauma, Ferenczi.

Los niños no lloran: estudio sobre un caso de abuso sexual infantil

Resumen

Este artículo tiene como objetivo discutir las dificuldades que pueden surgir em el seguimiento de los niños involucrados en relaciones abusivas. Para ello, se realizo um estudio de caso conelfin de dar respuesta a cómo se seguiria un caso de um niño víctima de abuso sexual tratado por el CREAS (servicio especializado de la Política Pública de Protección Infantil) em um municipio de tamaño mediano em el Estado de Río de Janeiro. Este estudio, de un solo caso, se elaboró de acuerdo com los fundamentos del caso revelador. La teoria del trauma ferencziano fue utilizada como marco teórico para el análisis. El estúdio señaló la importancia de las reuniones para discutir casos en la red como una forma de diluir, a través del debate sobre las diferentes percepciones, los mecanismos de defensa de los profesionales frente al horror de la violencia. La lectura de Ferenczi señala que, al cuidar a lo sniños que sufren abusos, una postura de reconocimiento de la vulnerabilidad es fundamental, pero parece no ser suficiente. El caso específico estudiado indicó que no sería posible hablar de reconocer el sufrimiento de los infantes sin que esto se vincule a intentos urgentes de reparación que definitivamente interrumpirían el ciclo de violencia.

Palavras clave: abuso sexual infantil, política pública, psicoanálisis, teoría del trauma, Ferenczi.

Boys don’t cry: study on a case of child sexual abuse

Abstract

This article aims to discuss the difficulties that may arise in the follow-up of children involved in abusive relationships. To this end, a case study was carried out in order to answer how the case of a child victim of sexual abuse attended by CREAS (specialized service of the Childhood Protection Public Policy) was followed up in a medium-sized municipality in the state of Rio de Janeiro. This study, of a single case, was elaborated according to the foundations of the revealing case. Ferenczian trauma theory was used as a theoretical framework for analysis of the data. The study pointed out the importance of meetings to discuss cases on the network as a way of diluting, through the debate about the different perceptions, the defense mechanisms of professionals in the face of the horror of violence. Ferenczi’s reading points out that, in caring for children who are abused, a stance of recognizing vulnerability is fundamental, but it appears not to be enough. The specific case studied indicated that it’s not be possible to speak of recognizing the infants suffering without this being linked to urgent attempts at reparations that permanently interrupt the cycle of violence.

Keywords: child abuse. public policy, psychoanalysis, trauma theory, Ferenczi.

Data de recebimento/Fecha de recepción: 10/09/2020
Data de aprovação/Fecha de aprobación: 05/01/2021

Leonardo Ribeiro Gonçalves de Oliveira leonardorgo@gmail.com

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRRJ e especialista em saúde mental (IPUB/Universidade federal do Rio de Janeiro).

Leonardo Câmara lcpcamara@gmail.com

Universidade Federal de São Carlos, Brasil. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (DPsi/UFSCar), mestre e doutor em Teoria Psicanalítica (Universidade Federal do Rio de Janeiro), membro do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi (GBPSF).

Fernanda Canavêz fernandacanavez@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Professora do Instituto de Psicologia da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRRJ. Coordenadora do Marginália - Laboratório de Psicanálise e Estudos sobre o Contemporâneo.